quarta-feira, 12 de maio de 2010

Sem Dúvida.

É com grande entusiasmo que inicio este blog. Um blog dedicado a liberdade, felicidade, amor, meditação e claro, a base que torna tudo isso possível, a atenção plena. Tentarei através de textos extraidos do meu estudo diário, manter o leitor entusiasmado e em sintonia com o que pode ser dito a respeito da atenção plena.
Iniciarei com um trecho que copiei (na mão mesmo), de um livro que gosto muito.
É um texto para se ler com a mente vazia. Espero que gostem.
Segue:

Sem dúvida, existem muitas coisas que não podem ser expressas nas línguas ocidentais, porque a maneira oriental de considerar a realidade é basicamente, fundamentalmente, tacitamente diferente. Acontece, às vezes de a mesma questão pode ser tratada segundo enfoque oriental e o ocidental, e na superfície as conclusões podem parecer semelhantes, mas elas não podem ser. Se você se aprofundar um pouco, irá encontrar grandes diferenças -não diferenças comuns, mas diferenças extraordinárias.

Existe um haicu de Basho, o místico e mestre zen. Esse haicu pode não parecer uma grande poesia para mente ocidental, ou a mente que tenha sido educada de maneira ocidental.

Leia-o em completo silêncio, porque ele não é o que você chamaria de grande poesia, mas é de uma grande compreensão – o que é muito mais importante. Ele tem uma enorme poesia, mas para sentir essa poesia você tem de ser muito sutil. Intelectualmente, ele não pode ser compreendido: ele só pode ser compreendido intuitivamente.

O haicu é o seguinte:

Olhando com cuidado,

Vejo a nazunia florindo

na cerca!

Bem, esses versos não se parecem com uma grande poesia. Mas vamos observá-los com mais compreensão, porque Basho está sendo traduzido: na língua dele, há toda uma textura e um sabor diferentes.

A nazunia é uma flor muito comum – ela cresce espontaneamente à beira da estrada, é uma flor semelhante ao lírio. Ela é tão comum que ninguém repara na existência dela. Não é uma rosa preciosa, não é uma rara flor de lótus. É fácil ver a beleza de uma rara flor de lótus flutuando num lago – uma flor de lótus azul, como você poderia deixar de vê-la?

Por um instante você tende a se sentir atraído pela beleza dessa flor. Ou uma linda rosa oscilando ao vento, brilhando ao sol... por uma fração de segundo ela toma conta dos seus sentidos. É formidável. Mas uma nazunia é uma flor muito comum, vulgar. Ela não precisa de jardinagem nem de jardineiro; ela cresce espontaneamente em toda parte. Para ver a nazunia com atenção é preciso ser uma pessoa contemplativa, alguém de uma consciência muito delicada; do contrário passará por ela. A beleza dela é das coisas mais comuns, mas o muito comum contém em si o extraordinário – ate mesmo a flor da nazunia. A menos que você se infiltre nela com o coração compreensivo, solidário, não ira percebê-la.

No poema de Basho, a última sílaba – kana em japonês – é traduzido por um ponto de exclamação, porque não temos outra maneira de traduzi-la. Mas – kana significa: “Estou impressionado!” Então, de onde vem a beleza? Ela vem da nazunia? – porque milhares de pessoas podem ter passado pela beira da cerca e nunca ninguém deve ter sequer olhado para aquela florzinha. E Basho está possuído pela beleza dela, sendo transportado para outro mundo. O que aconteceu?

Não se trata realmente da nazunia, ou então ela chamaria a atenção de todo mundo. Trata-se de uma percepção repentina de Basho, do seu coração aberto da sua visão compassiva, da sua atitude contemplativa. A meditação é uma alquimia: pode transformar o metal da base em ouro, pode transformar uma flor de nazunia numa flor de lótus.

Olhando com cuidado...

E a expressão com cuidado significa com atenção, com consciência, de maneira meticulosa, cautelosa, com amor, com carinho. Se você não olhar com carinho perderá tudo o que interessa. A expressão com cuidado precisa ser considerada em todos os seus significados, mas o significado básico é de “maneira contemplativa”. E o que significa quando você observa de maneira contemplativa? Significa contemplar sem o uso da mente, sem nuvens de pensamentos no céu da sua consciência, sem lembranças do passado, sem desejos... absolutamente nada, um vazio completo.

Nesse estado de ausência da mente, quando você observa, até mesmo a flor da nazunia é transportada para um outro mundo. Ela se torna uma flor de lótus do paraíso, deixa de fazer parte da terra: o incomum foi encontrado no comum. Esse é o caminho e a maneira de proceder de um Buda. Encontrar o incomum no comum, encontrar tudo já, encontrar o todo nisso. – Gautama Buda chama-o de tathata.

O haicu de Basho é um haicu de tathata. Essa nazunia – observada com carinho, com amor atravéz do coração, da consciência desanuviada, num estado em que não há interferência da mente – produz esse espanto esse assombro. Um milagre acontece. Como ele é possível?

Essa nazunia... e se a nazunia é possível, então tudo é possível. Se uma nazunia pode ser tão linda, Basho pode ser um Buda. Se uma nazunia pode conter tanta poesia, então toda pedra pode se tornar um sermão.

Olhando a nazunia com cuidado, vejo a nazunia florindo na cerca!

Kana – estou impressionado! Estou perplexo: não consigo dizer nada sobre esta beleza – só posso me referir a ela.

Um haicu simplesmente sugere, o haicu apenas indica – e de uma maneira muito indireta.

Uma situação semelhante encontra-se num poema famoso de Tennyson; poderia ser muito interessante para você comparar os dois. Basho representa o intuitivo, Tennyson o intelectual. Basho representa o Oriente, Tennyson o Ocidente. Basho representa meditação, Tennyson a mente. Eles parecem semelhantes, e às vezes a poesia de Tennyson pode parecer mais poética que a de Basho porque é direta, é óbvia.

 
Flor do muro fendilhado

Arranco-te das fendas

Sustenho-te na mão, com raízes e tudo,

Florzinha – ah, se eu pudesse entender

O que és, com raízes e tudo, considerando tudo,

Eu saberia quem são Deus e o Homem.

Um belo trecho, mas nada parecido com Basho. Vamos ver onde Tennyson torna-se totalmente diferente.

Primeiro: Flor do muro fendilhado, arranco-te das fendas...

Basho simplesmente olha para flor, ele não a arranca. Basho é uma consciência compassiva; Tennyson é ativo, violento. Na verdade, se você ficou realmente impressionado com a flor, não pode arrancá-la. Se a flor atingiu seu coração, como você pode arrancá-la? Arrancá-la significa destruí-la, matá-la – é assassinato! Ninguém pensou na poesia de Tennyson como assassinato – mas é assassinato. Como você pode destruir algo tão lindo?

Mas é assim que a nossa mente funciona; ela é destrutiva. Ela quer possuir, e a possessão só é possível pela destruição. Lembre-se, sempre que você possuir alguma coisa ou alguém você destruirá essa coisa ou pessoa. Você possui uma mulher? – você a destrói, a beleza dela, a alma dela. Você possui um homem? – ele não é mais um ser humano: você o reduziu a um objeto, a uma mercadoria.

Basho olha “com cuidado” - apenas olha, nem sequer olha fixamente, de maneira concentrada. Apenas um olhar suave, feminino, como se tivesse receio de ferir a nazunia.

Tennyson arranca-a das fendas e diz:

Sustenho-te na mão, com raízes e tudo, florzinha...

Ele permanece separado. O observador e o observado em nenhum momento se fundem, se misturam, se encontram. Não é um caso de amor. Tennyson ataca a flor, arranca-a com a raiz e tudo, segura-a na mão.

A mente acha bom sempre que pode possuir, controlar, segurar. Um estado de consciência contemplativo não esta interessado em possuir, segurar, porque todas essas são atitudes de uma mente violenta.

Ele diz: “florzinha” – flor permanece pequena, ele permanece num pedestal superior. Ele é um homem, um grande intelectual, um grande poeta. Ele permanece no próprio ego: “florzinha”

Para Basho, não é uma questão de comparação. Ele não diz nada sobre si mesmo, como se não existisse. Não há observador. A beleza é tal que provoca transcendência. A flor da nazunia está lá, florindo na cerca – Kana – e Basho está simplesmente impressionado, perplexo na própria raiz do seu ser. A beleza é esmagadora. Em vez de possuir a flor ele é possuído pela flor. Ele esta em total rendição perante a beleza da flor, a beleza do momento, a bênção do momento.

Florzinha, diz Tennyson, ah, se eu pudesse entender...

Essa obsessão por entender! Apreciar não é suficiente, o amor não é o bastante; é preciso entender, produzir conhecimento. A menos que se manifeste o conhecimento, Tennyson não fica bem. A flor tem de se tornar um ponto de interrogação. Para Tennyson é um ponto de interrogação, para Basho é um ponto de exclamação.

Ai está a grande diferença: o ponto de interrogação e o ponto de exclamação.

O amor é suficiente para Basho. O amor é compreensão. Para que mais compreensão? Mas Tennyson parece não saber nada de amor. A mente dele está lá, ansiando por saber.

Ah, se eu pudesse entender o que és, com raízes e tudo, considerando tudo...

E a mente é compulsivamente perfeccionista. Nada pode ficar desconhecido, nada pode permanecer desconhecido e misterioso. Com raízes e tudo, considerando tudo tem de ser entendido. A menos que a mente conheça tudo, ela permanece temerosa – porque o conhecimento dá poder. Se existe algum mistério você tende a permanecer com medo, porque o misterioso não pode ser controlado. E medo é sofrimento. Quem sabe o que está oculto no misterioso? Talvez o inimigo, talvez um perigo, alguma insegurança? E quem sabe o que isso vai fazer a você? Antes que isso possa fazer alguma coisa precisa ser entendido, tem de ser conhecido. Nada pode ficar misterioso.

Mas então toda poesia desaparece, todo amor desaparece, todo mistério desaparece, todo milagre desaparece. A alma desaparece, a canção desaparece, a celebração desaparece. Tudo é conhecido – então nada tem valor. Tudo é conhecido então nada vale a pena. Tudo é conhecido - então a vida não tem sentido, não há significado na vida.

Veja o paradoxo: primeiro a mente diz: “Conheça tudo!” – e quando você conheceu a mente diz: “Não há sentido na vida.” Você destruiu o significado e agora ansia por significado. A mente é muito destrutiva em relação ao significado. E porque ela insiste que tudo pode ser conhecido, ela não pode permitir a terceira categoria, o incognoscível – que vai permanecer incognoscível eternamente. E no incognoscível está o significado da vida.

Todos os grandes valores – a beleza, o amor, Deus, a prece - ,tudo o que realmente é importante , tudo o que faz valer a pena viver, faz parte da terceira categoria: o incognoscível. O incongniscível é um outro nome para Deus, um outro nome para o misterioso e miraculoso.

Sem ele não pode haver milagre no seu coração – sem milagre o coração não é mais coração, e sem assombro você perde algo imensamente precioso. Então seus olhos estão cheios de poeira, eles perdem a clareza. Então o pássaro canta e você não mais se emociona, não se incomoda, seu coração não se abala – porque você conhece a explicação. As arvores são verdes, mas o verdor não transforma você, ele não desperta a poesia em você porque você conhece a explicação: é a clorofila que torna as árvores verdes. Então não resta nada de poesia. Quando a explicação aparece a poesia desaparece. E todas as explicações são utilitárias, não supremas.

Se você não acredita no incognoscível pode fazer uma autópsia num homem após a morte – e não vai encontrar nenhuma alma. E pode continuar procurando Deus, mas não vai encontrá-lo em nenhum lugar porque ele esta em toda parte. A mente vai deixar de percebê-lo porque a mente gostaria que ele fosse um objeto e Deus não é um objeto. Deus é uma vibração. Se você esta sintonizado com o som mudo da existência, se você esta sintonizado com as palmas batidas por uma única mão, se você esta sintonizado com o que os místicos indianos chamam de anahat – a musica suprema da existência – se você esta sintonizado com o misterioso, você vai saber que apenas Deus é, e nada mais. Então Deus se torna um sinônimo da existência.

Mas essas coisas não podem ser entendidas, essas coisas não podem ser reduzidas ao conhecimento. – e é aí que Tennyson falha, falha na questão inteira. Ele diz:

Florzinha – ah, seu eu pudesse entender o que és, com raízes e tudo, considerando tudo, eu saberia quem são Deus e o homem.

Mas é tudo “mas” e “se”.

Basho sabe o que Deus é e o homem é nesse ponto de exclamação – Kana. “Estou pasmo, estou surpreso... nazunia florindo na cerca!” Todo passado se foi, todo futuro desapareceu. Não há mais perguntas na mente dele, mas apenas um puro assombro. Basho tornou-se uma criança. De novo aqueles olhos inocentes de uma criança olhando para uma nazunia, com cuidado, com carinho. E nesse amor, nesse cuidado, existe um tipo totalmente diferente de compreensão – não intelectual, não analítico. Tennyson intelectualiza todo o fenômeno, e destrói sua beleza.

Tennyson representa o Ocidente, Basho representa o Oriente.

Tennyson representa a mente masculina, Basho representa a mente feminina. Tennyson representa a mente, Basho representa a ausência da mente.

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