domingo, 3 de outubro de 2010

A Esperança e a Fé no Buddhismo



A Esperança e a Fé no Buddhismo

Neste sentido, o melhor que temos a fazer, dentro de uma perspectiva contemplativa, é desenvolvermos ações responsáveis no momento presente. De nada adianta esperar passivamente que as coisas melhorem. É preciso fazer uma distinção entre a esperança voltada para as coisas do mundo e aquela voltada para as coisas espirituais. Por exemplo, “eu tenho esperança de comprar um apartamento ou melhorar de vida no futuro”. Isto é expectativa e cria ansiedade e preocupação. O Buddhismo não está interessado neste tipo de esperança. Existe um verso que diz: “O passado já se foi e o futuro ainda não veio, portanto, permaneçam no presente que é o único momento que pode ser de fato vivido”. É algo como o provérbio árabe que diz que você não pode pegar o camelo que ainda não veio nem aquele que já passou! Esperança no Buddhismo está mais relacionada com confiança. Na língua påli é chamada de “saddhå”. Isto é confiar no caminho a ser percorrido, pois levará ao Despertar da ilusão. Alguém que se aproxima da tradição buddhista se surpreenderá de imediato com a naturalidade com que é convidado a investigar por si mesmo os ensinamentos do Buddha e não crer simplesmente no que lhe é dito. De fato, a doutrina buddhista tem sido conhecida desde seus primórdios como “ehi-passiko”, ou seja, aquela que convida a vir e ver por si mesmo.
Somente através da visão direta da verdade pode alguém estar certo de suas qualidades. Neste sentido, a fé cega é justamente o oposto daquilo que se espera do verdadeiro procurador da Verdade. A fé cega ou a crença, nada mais é que um modo de tapar um buraco, o qual deveria ser preenchido com o conhecimento.
Na ausência deste, aparece a crença. Não encontraremos, portanto, a concepção de uma crença pura e simples sendo estimulada nos ensinamentos buddhistas. A palavra mais próxima para “fé” é “saddhå”, que significa muito mais “convicção” do que “crença”. saddhå ou sraddhå (em sânscrito) comporta três aspectos segundo Ósanga, o grande mestre buddhista do século quarto:

1. Convicção completa e firme sobre o que uma coisa é.
2. Alegria serena em razão das boas qualidades.
3. Aspiração ou ânsia em ter a capacidade de alcançar um objetivo em vista.

No primeiro aspecto, saddhå é a fé como uma etapa posterior ao conhecimento. É porque sabemos algo, por experiência ou intelecção, que temos fé naquilo. Saddhå é aqui a fé no conhecimento ou sabedoria já conquistada.

No segundo aspecto, saddhå liga-se com a tranqüilidade na virtude adquirida. Aquele que desenvolveu
as qualidades saudáveis como a sabedoria, a compaixão, a generosidade, a honestidade e outras, e,  consciente de seu campo de virtudes, é tranqüilo e, portanto, confiante. É como alguém que tendo visto os resultados de sua plantação e consciente de sua farta colheita, está seguro e contente em relação à sua situação econômica. Saddhå aqui tem a ver com segurança, tudo isto em relação aos bens (espirituais) conquistados.

No terceiro aspecto, por fim, saddhå refere-se à esperança. Possuir saddhå aqui significa desejar e confiar que seus objetivos serão realizados. No caminho espiritual alguém nada trilhará se começar sem esforço e duvidoso dos resultados desse esforço. É como alguém que começa uma viagem, mas não deseja nem acredita que chegará ao seu destino. Este, no primeiro obstáculo, desistirá, e suas expectativas pessimistas de fato se cumprirão. Em nenhum destes três sentidos vemos saddhå como fé cega ou crença em algo sem sentido. Pelo contrário, é aquela confiança que surge naquilo que já se conhece. Este conhecimento lhe dá confiança. E, por conhecer, ele confia que atingirá também a próxima etapa do caminho. Como diz o Buddha: “...Ó bhikkhus, eu digo que a destruição das manchas e das impurezas é o trabalho de uma pessoa que sabe e vê, e não de uma pessoa que não sabe e não vê” (Samyutta Nikåya III, PTS trans., pg.152). Sigamos, então, o conselho do Buddha: Venham e Vejam por si mesmos a verdade e os resultados da prática do Dhamma!

COMPREENDENDO MELHOR O ENSINAMENTO DO BUDDHA (RICARDO SASAKI, © 1995 

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