A onda e a água.
Um exemplo que nós utilizamos frequentemente no budismo é o da onda e da água. A onda surge do oceano e quando você observa o fenômeno da onda, você vê que existe um começo e um fim. Você vê o subir e o descer, você vê a presença e a ausência da onda. Antes de subir parece que a onda não existia, e depois dela ter descido também não a vemos existindo. Fazemos distinções entre uma onda e outra onda. Uma onda pode ser mais bonita, mais alta, mais baixa do que a outra onda. Então, no que diz respeito ao mundo dos fenômenos, temos todos os tipos de conceitos: começo, fim; alto, baixo; mais bonito e menos bonito; e isso cria muito sofrimento. Mas ao mesmo tempo sabemos que a onda também é água. É possível para uma onda viver a vida dela como uma onda e como água simultaneamente. Enquanto onda, ela pertence ao mundo dos fenômenos: ela tem um início, um fim, uma subida, uma descida. Ela se distingue das outras ondas. Mas se ela tiver tempo de sentar e tocar profundamente sua própria natureza, ela compreenderá que é água. Ela não é somente uma onda, ela também é água. No momento em que ela compreende que é água, ela deixa de sofrer completamente. Ela não mais teme subir e descer. Ela deixa de ficar preocupada em existir ou inexistir. Água representa o mundo noumenalNT, o mundo sem nascimento e sem morte, sem chegada, sem partida.
Se você vai um pouco mais fundo, vê que o que fazemos juntos, falamos juntos, pensamos juntos, terá um efeito sobre nós e sobre o mundo, agora e posteriormente. No ensinamento budista, nada é estritamente individual e nada é estritamente coletivo. Estas noções são relativas.
Você poderia pensar que o seu corpo é uma posse individual sua, mas o seu corpo também pertence ao mundo. Suponha que você é um motorista e sua segurança depende dos seus nervos óticos. Você pensa em seus nervos óticos como algo estritamente individual; eles lhe pertencem e você é a pessoa que se beneficia deles e é responsável por eles. Mas se você é um motorista de ônibus, todos nós que sentamos no seu ônibus confiamos muitíssimo nos seus nervos óticos. Nossas vidas dependem de você. Por isso, dizer “Esta é a minha própria vida!” é um pouco ingênuo. Nós estamos em você e você está em nós. Nós interexistimos.
Vendo uma flor, nós a identificamos como uma rosa branca, e estamos muito certos de que esta é uma realidade objetiva que existe separadamente da nossa consciência – quer estejamos pensando na flor ou não, ela está ali. Ela pertence à realidade objetiva externa. Temos a tendência de pensar desta maneira. Mas nós aprendemos com a ciência que as cores que percebemos é uma matéria da vibração de uma onda de luz particular. Se o comprimento da onda for demasiadamente curto ou demasiadamente longo nós não a percebemos. Quando as freqüências são apropriadas aos órgãos dos nossos sentidos nós acreditamos que àquelas coisas existem. Mas quando não percebemos a freqüência, pensamos que elas inexistem. Eu posso perguntar a outro ser humano: “Você ve a mesma coisa que eu vejo? Você ouve o que eu ouço?” E a pessoa responde: “Sim, eu vejo o que você vê, eu ouço sim o que você ouve.” Então você tem a impressão, como nós dois concordamos com aquilo, que aquilo deve ser daquela forma, e que é algo objetivo e externo. Mas esquecemos do fato de que nós seres humanos somos constituídos de modo semelhante. Nossos órgãos dos sentidos são constituídos de modo semelhante. Todos nós concordamos que isto é uma mesa; nós a chamamos “mesa”. Nós somos da mesma opinião que ela é um suporte para nós escrevermos sobre ela. Porque somos seres humanos temos a tendência de olhar para esta mesa, como um instrumento. Mas se tivéssemos nascido cupins, olharíamos para a mesa de modo diferente. Nós poderíamos vê-la como uma fonte de comida, suculenta, saborosa e nutritiva. Os cupins são construídos de tal modo que a mesa se torna alimento; nós somos construídos de tal modo que a mesa é um suporte para nossa escrita e leitura.
É por isso que o que acreditamos ser uma realidade exterior pode ser apenas uma construção mental. Como os nossos órgãos dos sentidos estão construídos de um modo tal, recebemos o que se chama de mundo objetivo de determinada forma, e acreditamos ser este uma realidade objetiva. Nós sabemos que a rosa é uma construção mental coletiva de um grupo de seres vivos chamados humanos. Isto é participação no reino do ser. As abelhas têm o seu reino de existência, os pássaros têm o seu reino de existência, os humanos têm o seu reino de existência; e este reino de existência é uma manifestação coletiva, uma concepção coletiva do carma deles, da consciência deles, da consciência armazenadora deles.
No ensinamento budista, uma vez que a mente não é localizável, ela não pode morrer, ela só pode se transformar. Você continua no meio ambiente. A consciência armazenadora, os seus pensamentos, a sua fala e as suas ações fazem surgir o fruto do carma, que é composto de você e do seu meio ambiente. Você e o seu meio ambiente são um e criam o seu carma. Podemos assegurar um belo futuro tomando conta dos nossos pensamentos, da nossa fala e das nossas ações. Você tem o poder de se mudar por dentro, e você tem o poder de mudar você mudando o seu meio ambiente. Cuidar de você significa cuidar do seu corpo e cuidar do seu meio ambiente. Não é verdade que os genes determinam tudo. Ao produzir os seus pensamentos, falas e ações você cria o seu meio ambiente. Você sempre tem a oportunidade de se organizar e organizar o seu meio ambiente de modo a aguar as sementes positivas dentro de si. Este é o segredo da felicidade.
É claro que nosso ambiente não está construído somente das coisas que vemos a nossa volta. Existem coisas que nós não vemos ou ouvimos. E tendemos a descrevê-las como inexistentes. Suponha que olhamos para o espaço em uma grande sala de meditação. O espaço a nossa volta está cheio de sinais de televisão, rádio e celulares que não conseguimos ver ou ouvir. Nós precisamos do mecanismo – o telefone celular ou televisão – para traduzir estes sinais para nós. O que freqüentemente descrevemos como vacuidade está realmente bem cheio. É a nossa consciência mental que traduz todas estas coisas em sons e cores. Portanto eu não tenho certeza se a folha que eu segurava estava dentro ou fora da minha mente. Nós temos que ser humildes e abertos para permitir que a verdade penetre. O segredo do budismo é remover todas as idéias, todos os conceitos, para que a verdade tenha chance de penetrar e se revelar.
NT No que diz respeito aos possíveis significados deste termo, podemos observar que “noumena, ou seres em si mesmos; (em Alemão Dinge-na-sich) é um termo usado por Kant com referência às coisas subjacentes a nossa experiência tanto do mundo físico como dos nossos próprios estados mentais (chamado por ele de fenômenos do sentido externo e interno) e que não são eles mesmos objetos de experiência possível” (The Fontana Dictionary of Modern Thought; 1988, Londres, Fontana Press, segunda edição, editores: Bullock, Stallybrass e Trombley).
Do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking toward Enlightenment, de Thich Nhat Hanh)
Tradução para o português: Tâm Vân Lang
www.viverconsciente.com
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