quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Tornar-se Iluminado






Ajaan Brahmavamso

Lá estava eu, em uma terra estranha,
tentando tanto,
abrindo mão de tanto – e para quê?
Não estava muito certo.

Quando era bem jovem, eu queria muito ser um maquinista. Meu avô havia levado meu irmão e a mim à Euston Station em Londres, local onde começou uma paixão por aqueles gigantes de aço pretos e verdes que sibilavam com tanta força. Não seria maravilhoso, eu sonhava, se um dia eu ...
Alguns anos depois eu queria desesperadamente me tornar iluminado. Havia lido sobre o assunto em livros. Para um jovem sonhador, a idéia de viver numa felicidade permanente e ao mesmo tempo salvar a humanidade exercia um apelo irresistível. Não seria maravilhoso, eu sonhava, se um dia eu ...
Quando ouvi pela primeira vez a história da iluminação do Buda, eu ainda estava a muitos copos de cerveja de distância de me tornar um monge. Eu era um estudante, e fazia muitas das atividades extravagantes que estudantes gostavam de fazer lá pelo final dos anos sessenta – e das quais se arrependeram nos anos setenta. Mas eu andei meditando mais ou menos – mais menos do que mais – por algum tempo, e comecei a perceber algumas mudanças inequívocas na minha vida diária. Um dia, assistindo a cerimônia de Vesak na Sociedade Budista local, enquanto o Venerável monge do Sri Lanka lia a história da iluminação, eu fiquei mais e mais inspirado e entusiasmado. Era especialmente agradável para mim a passagem na qual o futuro Buda, sentado ao pé da Figueira-dos-pagodes fez a resolução que sacudiu a terra:
Mesmo que meu sangue seque e meus ossos se tornem pó, não me moverei deste local até ter penetrado a Suprema e Completa Iluminação!
Uau! À medida que a história avançava, um pensamento começou a se solidificar na minha mente. Mal pude esperar pelo fim dos cânticos. Engoli impaciente uma xícara de chá, que na ocasião era nada menos que obrigatório, e corri de volta para meu quarto na faculdade. Já tinha ouvido muitas palestras sobre budismo, já tinha lido muitos livros sobre o assunto. Já tinha meditado por pelo menos um ano até aquele momento, pelo menos uma vez por semana, a maior parte das semanas. Se o Buda pôde, por que não eu?
Assim foi que eu, com a arrogância estúpida da juventude, um praticante novato que mal conseguia ficar sentado quieto por trinta minutos, decidi que era hora de tornar-me iluminado. É agora ou nunca, decidi. No dia seguinte eu fiz um teste. Tranquei a porta do quarto e sentei na almofada de meditação. Concentrei-me e pronunciei em um tom de voz baixo, claro e solene: Mesmo que meu sangue seque e meus ossos se tornem pó, não me moverei desta almofada até que eu, também, me torne iluminado.
Era isso. Chega de brincadeiras. Eu falava sério.
Quarenta minutos depois, estava em extrema agonia. Meu sangue estava tão liquido como sempre esteve e ainda não havia sinal de desintegração óssea, mas meus joelhos doíam pra danar! Mas o que me incomodava realmente era que já havia passado mais de meia hora e eu não tinha visto as luzes brilhantes e piscantes esperadas. Nem uma piscadinha que sugerisse eu estivesse chegando mais perto. Era muito deprimente e doloroso. Desisti. Levantei muito desapontado. Não ter me tornado iluminado estragou o dia.
Alguns anos mais tarde e um pouco mais de sensibilidade – embora só um pouco mais – eu estava no aeroporto de Londres sendo levado para a Tailândia por dois bhikkhus tailandeses. Estava indo para Bangkok para ser ordenado. Ainda lembro as palavras de despedida do sênior dos bhikkhus, então meu professor: “Por favor, volte quando se tornar iluminado”. Eu planejava ser um monge na Tailândia por dois anos no máximo. Contei para meus amigos e parentes que estaria de volta em dois verões. Afinal, dois anos inteiros como monge budista na Tailândia certamente era tempo suficiente, mesmo para aqueles de pouca inteligência, se tornarem iluminados. Quanto a mim, com um diploma universitário, não havia dúvida em minha mente de que voltaria para a Inglaterra em dois anos, iluminado. Resolvido esse problema, eu planejava casar e viver em uma comuna – claro, no País de Gales: havia pesquisado antes de partir.
Depois de dois anos de estrada, ficou claro que esse negócio de iluminação poderia não ser tão fácil. Por alguma razão, embora fosse um Ocidental com um diploma de uma renomada universidade, eu estava agindo de modo mais estúpido do que os monges tailandeses, que tinham apenas a quarta série de uma escola de vilarejo. Minha presunção estava sendo duramente golpeada. O estranho era que, mesmo não sendo ainda um iluminado, eu estava experimentando a paz, a simplicidade e a disciplina da vida monástica e não queria desistir. O que pretendia fazer na comuna no País de Gales havia perdido seu caráter sedutor.
Em meu quarto retiro das chuvas eu estava fazendo tudo que podia. Rumores haviam chegado à Tailândia de que a Chithurst House fora comprada, uma Sangha havia sido estabelecida na Inglaterra e eles precisavam de mais bhikkhus. Este seria um excelente momento para tornar-se iluminado. Eu estava em um monastério muito calmo. Minha prática meditativa estava bem estabelecida. Todos os sinais eram favoráveis. Então, aconteceu!
Praticando a meditação andando no final da tarde, minha mente calma depois de horas sentado, subitamente compreendi a causa de todos os problemas e meu coração imediatamente sentiu a alegria da libertação. Ao meu redor, tudo parecia brilhar. Todo meu ser se encheu de felicidade. Energia e clareza eram abundantes. Embora fosse tarde da noite, sentei em meditação, perfeitamente atento, perfeitamente quieto. Então deitei para descansar, e dormi assim levemente por algumas horas. Levantei às 3h da manhã e fui o primeiro a chegar ao salão de grama para a meditação matinal. Sentei até o nascer do sol sem o mínimo de esforço e sem sonolência. Era isso! Eu estava incrivelmente feliz por ser um iluminado. Pena que não durou muito.
O monastério no qual isso aconteceu era muito pobre e a comida muito tosca. Era o tipo de monastério do nordeste da Tailândia no qual você fica feliz de comer apenas uma refeição por dia – encarar tal provação duas vezes por dia seria insuportável! Porém, na manhã que se seguiu a minha experiência de “libertação”, a comida estava um pouco melhor. Junto com o rotineiro peixe podre com curry – que é feito de pequenos peixes cozidos que foram guardados sem muita higiene até estragarem – havia também uma caçarola de carne de porco com curry. Naquele dia, até mesmo o abade do monastério estava visivelmente incomodado com o odor do peixe cozido e pegou uma porção enorme do pote com carne de porco. Eu não me importei; era o segundo na fila e havia bastante lá para mim. Porém, não cheguei até a panela de porco. O abade derramou o que havia sobrado da caçarola de porco na panela do peixe podre, misturando tudo, dizendo que iria se misturar no estômago de qualquer maneira. Eu fiquei enfurecido! Que grande hipócrita! Se ele realmente pensava assim, Por que não misturou os cozidos antes de pegar sua parte? Olhei furiosamente para a caçarola que ele me entregou – pedaços emborrachados de peixe fedido nadando lado a lado com minha deliciosa carne de porco – minha única refeição da sorte arruinada. Oh! Aquele abade, como eu estava furioso com ele! Furioso!
Então, um pensamento me atingiu com força, ou melhor, me esmagou: talvez eu não estivesse iluminado. Seres iluminados não sentem raiva. Arahants não se importam se comem peixe pútrido ou um saboroso pedaço de carne de porco. Tinha que admitir que estava com raiva, logo, eu não era um iluminado. Que decepção. Completamente deprimido, despejei uma concha de peixe podre com porco em minha tigela. Estava demasiado desapontado para notar o sabor da comida naquele dia.
A despeito desses obstáculos vindos do Dhamma, como indigestão, (uma capacidade limitada para assimilar os ensinamentos), os anos que se seguiram como bhikkhu definitivamente produziram resultados tais como mais tranqüilidade, clareza e alegria. Eram os insights simples, aqueles que surgem sem alarde, que se mostravam mais efetivos. Meu desejo de ser um iluminado me parecia agora similar ao desejo infantil de ser maquinista de trem, ou minhas ambições posteriores de ser o primeiro astronauta inglês ... um jogador profissional de futebol ... um guitarrista numa banda de rock ... o melhor amante em todo o colégio (me sinto muito envergonhado em mencionar minhas outras aspirações). De certa forma, desejar ser um iluminado era ainda mais tolo. Pelo menos eu tinha alguma idéia do que era dirigir um trem. Quanto à iluminação, eu não tinha tanta certeza do que se tratava! E sempre que eu tentava descobrir, perguntando aos monges mais experientes, nunca conseguia uma resposta direta. Então, lá estava eu, num país muito estranho, comendo peixe podre e coisas muito piores, suportando mosquitos insaciáveis e um calor sem fim, fazendo tanto esforço, abrindo mão de tanto – e para quê? Eu não tinha muita certeza. Então, a única coisa racional a fazer era desistir de tentar ser um iluminado até que eu soubesse o que era a iluminação! Eu não queria desistir de ser um bhikkhu, isso eu entendia, fazia sentido. Eu precisava desistir de perseguir minhas fantasias, e minha idéia de iluminação era a mais grandiosa.
Depois que o insight acontece, raramente pensamos que agora somos sábios, pois ficamos subjugados pelo pensamento de quão estúpidos fomos. Como pude ser tão estúpido? Os textos sagrados budistas e tantos bons professores enfatizam que TORNAR-SE É SOFRIMENTO – tornar-se qualquer coisa. Tornar-se é o que o ego faz todos os dias. Tornar-se molda a identidade. Tornar-se é a “pele” que mantém coesa a bolha do eu. Pare com todo tornar-se e a ilusão se despedaça.
Foi assim que terminou o meu tornar-se iluminado. Agora a questão era QUEM é que deseja tornar-se iluminado, se é que havia alguém? Eu investiguei o não-eu, que é algo mais esclarecedor do que tentar tornar-se iluminado. Mas as pessoas ainda me perguntam, como fazem com outros bhikkhus, a questão fundamental: você é iluminado? Agora eu tenho uma resposta esplêndida, plagiada do falecido Venerável Ananda Mangala Mahanayakathera, (sei que ele não se importaria), que, excelente professor que era, deu a réplica perfeita para essa questão:

Não senhor! - Ele disse –
eu não sou iluminado,
mas sou altamente eliminado!

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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Cronômetro do Cérebro




Benjamin Libet nasceu em 1916 e faleceu em 2007. Ele foi um dos cientistas pioneiros no campo da consciência humana com pesquisas no departamento de fisiologia da Universidade da Califórnia em São Francisco.
Na década de 1970 Benjamin Libet realizou estudos e descobertas empíricas sobre a relação entre eventos neurais e a consciência. Não foram conclusões baseadas em especulações teóricas mas baseadas em observações na prática. A questão que ele buscou responder foi onde e como surge a experiência consciente e de que forma isso difere das atividades mentais inconscientes. As suas descobertas foram surpreendentes, controvérsas a princípio, mas que têm sobrevivido a prova do tempo. A sua fama provém da descoberta que a decisão para agir ocorre no inconsciente muito antes de termos pensado em agir. Essa descoberta tem implicações profundas numa das principais questões filosóficas e psicológicas que é o livre-arbítrio.
Em 2004 foi publicado o livro "Mind Time" no qual Benjamin Libet relata os seus estudos e descobertas.
Para realizar os seus estudos Libet contou com a rara oportunidade de estudar pacientes submetidos a cirurgias do cérebro realizadas pelo seu colega de universidade o Dr. Bertram Feinstein. Para estudar o processo da consciência era necessário que os pacientes estivessem despertos e as cirurgias permitiam a colocação de eletrodos nas áreas do cérebro objeto de estudo. Todos esses estudos foram conduzidos com a concordância dos pacientes.
Na verdade, o trabalho inicial de pesquisa de Libet tinha a intenção de explorar qual seria o menor estímulo que daria origem a uma sensação consciente. É claro que o estímulo elétrico pode ser variado de diversas formas, mas ao longo das pesquisas surgiu um fato curioso: independente da voltagem das pulsações, o estímulo tinha que persistir por 500 milisegundos - meio segundo - até que o sujeito tomasse consciência do estímulo.
Na página 70 do livro "Mind Time" Libet descreve que o retardo entre o evento e a consciência desse evento tem várias implicações, sendo que a primeira é que a nossa consciência do mundo dos sentidos está sempre atrasada em meio segundo, ou seja aquilo que tomamos consciência já aconteceu faz meio segundo. Não estamos conscientes do momento presente. Estamos sempre um pouco atrasados. Outra implicação é que está bem estabelecido que a imagem relatada por um sujeito pode ser bastante diferente da imagem real mostrada para o sujeito. Não é que o sujeito está deliberadamente e conscientemente distorcendo o que está sendo relatado, ao invés disso ele parece acreditar que está relatando aquilo que viu. Isto é, a distorção do conteúdo parece ocorrer inconscientemente. Essa supressão do conteúdo da consciência, que foi inicialmente observada por Freud, pode ocorrer como forma de "proteger" o sujeito de uma experiência consciente desagradável. Em outras palavras, podemos ver apenas aquilo que queremos ver e não aquilo que realmente está presente.
Não é surpresa que ocorra algum retardo entre um evento e a consciência desse evento: de fato, se o processo normal de causa e efeito for aceito, o evento tem que anteceder a consciência à qual dará origem. Se fôssemos espectadores passivos do mundo, simplesmente observando tal como assistimos um filme, o constante retardo seria irrelevante - nunca perceberíamos que estamos sempre meio segundo atrás da realidade. Mas nós precisamos responder aos eventos e nesse caso o atraso é muito relevante e perceptível. Portanto a coisa realmente surpreendente foi a extensão do retardo que parecia estar acontecendo. Quinhentos milisegundos - meio segundo - é um período de tempo significativo e é evidente que os seres humanos com freqüência respondem aos eventos muito mais rápido do que isso. Se tivéssemos que esperar meio segundo antes de responder aos eventos, nunca seríamos capazes de jogar um bom jogo de tênis e seríamos motoristas perigosos, ou no mínimo cautelosos ao extremo.
Confrontado com esse problema, Libet decidiu que um elemento adicional era necessário nesse argumento: apesar de parecer improvável e contrário à nossa propria impressão, as nossas decisões devem ocorrer ligeiramente antes de tomarmos consciência delas.
Desenvolver um novo experimento para testar essa hipótese foi desafiador por duas razões. Primeiro, como determinar quando uma decisão foi tomada? No caso de uma percepção sabemos quando ocorre o estímulo e podemos identificar o sinal no cérebro, mas o único sintoma de uma decisão parece ser a ação resultante.
No entanto, um estudo conduzido em 1965 por Kornhuber e Deecke mostrou que quando os sujeitos eram solicitados a mover a mão no momento que quisessem, essa ação era precedida por uma carga elétrica mensurável no cérebro. Esse 'Readiness Potential', (Potencial de Prontidão), ou RP aparecia cerca de 800 milisegundos antes da ação e parecia ser uma clara indicação que a intenção de agir havia sido formada. Portanto parecia que o RP poderia ser usado experimentalmente como um indicador para a decisão.
O segundo problema era como medir o momento em que o sujeito tomava consciência de ter tomado a decisão. Se o sujeito tivesse que apertar um botão ou dar algum outro sinal, a cuidadosa cronometragem seria obscurecida pelo tempo necessário para fazer isso - o experimento estaria medindo dois movimentos com a mão e as suas respectivas decisões! A solução encontrada por Libet foi empregar um osciloscópio, (o experimento foi conduzido em 1977 nos dias em que não existiam PCs), para que os sujeitos identificassem a posição de um ponto na tela no momento em que decidissem mover a mão permitindo que a cronometragem fosse relatada com precisão.
Os resultados confirmaram a hipótese: o RP surgia 500 milisegundos antes dos sujeitos relatarem a consciência da decisão de movimentar a mão.
Esses experimentos solucionaram a questão sob o ponto de vista empírico: em termos filosóficos os problemas estavam apenas começando. A pesquisa, (que mais tarde foi repetida e corroborada por outros), parecia oferecer uma prova científica que o livre arbítrio era uma delusão. Como podemos nos considerar responsáveis por decisões das quais nem tínhamos consciência até depois que foram tomadas? Libet no entanto argumentou, sem no entanto apresentar nenhuma confirmação experimental, que apesar da decisão do sujeito ocorrer demasiado cedo para que possa ser iniciada pelo pensamento consciente, ainda haveria uma janela de oportunidade na qual a ação pode ser vetada pela consciência. De acordo com Libet essa janela dura não mais do que 100 milisegundos.
Na página 102 do seu livro Libet afirma que "há boas razões para acreditar que focar a atenção num determinado sinal sensorial pode ser o elemento para que a resposta a esse estímulo seja consciente." Em outras palavras o treinamento da atenção pode favorecer a resposta consciente aos estímulos dos sentidos e por conseqüência o livre-arbítrio.
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