terça-feira, 11 de outubro de 2011

Porque Deveríamos Meditar.

Segue um texto que ajudei a traduzir para comunidade Nalanda:




por Godwin Samararatne:
A palavra meditação vem da palavra pali ‘Bhavana’ que significa cultivar a mente, desenvolver a mente, cultura mental. Então a ênfase toda está na mente. Quando leem um texto buddhista, vocês ficam tão impressionados com a profunda e vasta declaração do Buddha sobre a mente humana. É impressionante que ele tenha feito esta afirmação há 2600 anos. Na verdade, psicólogos modernos, psicoterapeutas, também ficam profundamente inspirados pela declaração do Buddha sobre a mente humana.

Meditação: Conhecendo a Mente, Moldando a Mente, Libertando a Mente

A ideia de meditação foi expressa por um escritor nestes termos: conhecer a mente, moldar a mente, libertar a mente. Gosto de repetir as palavras: Meditação é conhecer a mente, moldar a mente, libertar a mente. Conhecer a mente é compreender como a mente trabalha. Se não conhecermos nossa mente, realmente seremos como máquinas. Por isso é extremamente importante conhecer, compreender, como a nossa mente trabalha, e quando conhecermos a nossa mente poderemos então moldá-la. Moldar a mente é desenvolver o domínio sobre a nossa mente, e se nós não desenvolvermos o domínio sobre a mente o que acontecerá é que nos tornaremos escravos de nossa própria mente. E quando nos tornamos escravos da nossa mente, pensamentos e emoções nos controlam, e isso resulta em mais e mais sofrimento. Portanto, é muito importante aprender a moldar a mente, e quando aprenderem a moldar a mente poderão alcançar uma mente que é livre. Então, a importância da meditação é aprender a alcançar uma mente que é livre, uma mente que é feliz, uma mente que é tranquila, uma mente que tem boa vontade.

Obtendo uma mente completamente saudável

São interessantes as coisas que fazemos para manter nosso corpo saudável. Alimentamo-nos, cuidamos da higiene, quando o corpo adoece procuramos um médico e tomamos remédios. Fazemos muitas coisas para manter o corpo saudável. Uma pergunta interessante é o que fazemos para manter nossa mente saudável. Vocês já pararam para pensar nessa importante questão? Nós temos de ter clareza sobre o que torna a nossa mente doente, o que não a deixa saudável. Quais são os sintomas das doenças humanas da mente? Então, meditação é aprender com elas e obter uma mente completamente saudável. Em algumas áreas em que a mente se torna doente, podemos considerar algumas emoções como contribuintes para a falta de saúde da mente humana. Gosto de mencionar algumas dessas emoções e tenho certeza que todos aqui podem se identificar com elas. Ansiedade, estresse, medo, insegurança, tristeza. Posso fazer uma longa lista que acredito, como disse, todos podemos nos identificar. Algumas vezes não percebemos que elas fazem nossa mente ficar doente. Se não sabemos que elas podem criar nossa doença, podemos continuar doentes e sem um meio para encontrar uma cura. Em uma de minhas palestras vou falar sobre emoções e vou mostrar a vocês como a meditação nos ajuda a trabalhar com as emoções. Quando eu falar sobre emoções, vou estar interessado em ouvir de vocês quais são as emoções que realmente incomodam nesse país. Então apresentarei alguns modos práticos de trabalhar com essas emoções desagradáveis e encontrar um meio de ficar livre delas.

O Gosto e a Expêriencia do Buddhismo

Outro aspecto muito importante da meditação, é que a meditação nos ajuda a experimentar as coisas que possam surgir. Há alguns que sabem muito bem o que o Buddha ensinou, por isso são muito bem informados sobre o Buddhismo, mas eles não experimentaram nada do Buddhismo porque não meditam. Eles são como pessoas que sabem sobre refeições, mas quase não provam a comida das refeições. Então meditação nos ajuda a provar isso, e quando vocês tiverem experimentado conseguirão uma espécie de gosto pela liberdade da mente. E quando saborearem isso, vocês realmente verão, por si mesmos, como podemos nos libertar.

Tornar-se Completamente Autoconfiante

Relacionado com isto há outro aspecto: é que a meditação ajuda a nos tornarmos completamente autoconfiantes. Quanto meditamos percebemos que temos que ser responsáveis pelo que ocorre na nossa mente. Algumas vezes defino meditação, pelas minhas próprias palavras, como sendo o medicamento para a doença que criamos em nós próprios. Assim, tal como criamos a doença em nós próprios, também temos que encontrar o medicamento. Quanto você está doente, e se quiser se curar, você não diz aos outros para tomarem o medicamento. O Buddha explicitou este aspecto de forma veemente: para ser autoconfiante, para confiar no nosso esforço próprio. O Buddha disse: o esforço próprio é o melhor esforço. E quando desenvolvemos auto esforço quando nos tornamos autoconfiantes, então o que ocorre é que aprendemos a ser completamente autoconfiantes sobre nós próprios. Quando temos esta autoconfiança e quando vemos por nós próprios que o medicamento está a ajudar, então isso leva a mais confiança no medicamento e ajuda-nos a desenvolver a fé, isto é, confiança na pessoa que desenvolveu o medicamento.

Até agora nesta palestra tenho falado de alguns benefícios, de alguns aspectos da meditação. E tenho tentado falar sobre a importância da meditação. Tenho tentado responder à questão: porque devemos meditar. Agora gostaria de fazer uma pausa e se houver perguntas sobre aquilo que tenho falado sobre meditação, podemos discuti-las. Por favor, coloquem questões. Quando ensino meditação às crianças, às vezes digo-lhes que a meditação é fazer perguntas e descobrir as respostas por nós próprios. Fazer perguntas como: “Por que ficamos com raiva? Como se gera o estresse?”. Assim, levantando tais questões e descobrindo uma resposta, a meditação pode ser vista como tentativa e erro, por isso, gostaria que vocês fizessem perguntas e que tentássemos encontrar nós próprios as respostas.

Perguntas & Respostas

Platéia: Durante a meditação e depois de meditarmos, tenho vontade de dormir. Quando adormeço, sinto algumas vibrações na cabeça, quase como se alguém me tivesse batido na cabeça, mas sem me atingir. O que se passa? Por que razão acontece?

Godwin: Quando meditamos, inúmeras coisas acontecem na nossa mente e no nosso corpo, por vezes muito, muito invulgares e estranhas. Por isso, o que é importante, o que estamos a aprender com a meditação é: seja o que estiver a acontecer na nossa mente e no nosso corpo, devemos apenas tomar consciência de que está a acontecer. E também aprender a aceitá-lo, aprendendo a não reagir a isso. Existem estágios diferentes na meditação, por isso vocês poderão estar a experienciar determinados estágios. Por vezes, encontrar uma razão poderá não ser necessariamente útil; será preferível, como digo frequentemente, aprender a olhar com carinho para o que acontece e encará-lo como experiências de aprendizagem, não o vendo, por isso, como problemas e dificuldades. Por isso o que gosto de sugerir é que, aconteça o que acontecer quando estamos a meditar, mesmo se por vezes for uma experiência desagradável, limitem-se a tomar consciência disso, de que é apenas uma sensação e apenas a aceitá-la, fazer amizade com ela e de seguida ela passará. Por isso gostaria que prosseguissem e talvez no domingo, com a programação diária, possamos ver se isso acontece ou não.

Platéia: Acho a sua colocação sobre como as crianças meditam muito interessante. Quero aprender algo mais sobre o ensinar meditação para crianças. Em primeiro lugar, eu pergunto: como é que as crianças aceitam o conceito de meditação e como elas praticam meditação? E a segunda pergunta é: você acaba de mencionar que a maneira de aprender a meditar é aprender a fazer perguntas e respondê-las, quando nos fazemos perguntas, o que estamos fazendo então?

Godwin: Então, a primeira pergunta é sobre o ensino de meditação para crianças. É muito interessante que tentar ensinar meditação para crianças me permitiu aprender com elas, porque elas têm mentes realmente simples e descomplicadas. É interessante para mim ver a diferença entre tentar ensinar meditação para crianças e para adultos. De certo modo, a meditação pode ser abordada como o desenvolvimento de uma mente-de-criança e do aprender a ver as coisas como se pela primeira vez, aprender a ser curioso sobre as coisas e ser muito honesto e verdadeiro sobre si mesmo. Assim, eu realmente gosto de estar com crianças e de tentar ensinar a elas a meditação. Então, respondendo à sua pergunta, eu nunca lhes digo que é meditação. Pergunto-lhes: agora gostariam de brincar com a nossa respiração? Como você sabe, crianças adoram brincar, então eu sugiro que brinquemos com a nossa respiração. Eu lhes digo: agora, por favor, vejam isso como um jogo legal. O jogo é: você pode se manter consciente da sua respiração a cada momento? E às vezes eu digo a elas para brincar de esconde-esconde. Às vezes você está com a respiração e às vezes você não está com a respiração. Aí, brincamos por 10 a 15 minutos e vemos o que acontece. E é tão inspirador para mim ver como elas se sentam completamente imóveis durante aqueles 10 ou 15 minutos, como parecem estar gostando, muito felizes e com rostos sorridentes e amigáveis. Quando vejo adultos meditando, vejo expressões diferentes em seus rostos. E o que me inspira ainda mais é quando eu lhes pergunto: você tem alguma dúvida, você tem algum problema, você tem alguma dificuldade, na maioria das vezes elas dizem que não. É algo interessante descobrir o que temos feito à nossa mente. É uma questão muito séria que devemos explorar. Na verdade, isto está verdadeiramente conectado com a meditação, relacionado com a meditação. Bom, esta foi a primeira pergunta e a segunda foi sobre o que mesmo?

[Depois de fazermos perguntas a nós mesmos, o que fazemos?] Boa pergunta. Veja o caso de Siddhattha que se tornou o Buddha. Você conhece a pergunta que veio à sua mente? Perguntas muito simples: Por que as pessoas morrem? Por que as pessoas envelhecem? Por que as pessoas adoecem? Por que as pessoas se tornam monges e monjas? Então, achando uma resposta para estas questões simples que ele havia se perguntado, ele acabou se tornando o Buddha. Eu darei outro exemplo. Newton, o cientista. Vocês sabem qual foi a pergunta que permitiu que ele descobrisse a profunda teoria científica? Por que as maçãs caem? Uma pergunta simples, mas terminou na elaboração de uma descoberta científica muito profunda e importante. Alguém disse que um gênio é aquele que tem continuamente a curiosidade de uma criança, e todos nós temos esta bela capacidade quando crianças, mas quando adultos perdemos este aspecto questionador. Então, em relação à meditação, fazer perguntas como: Por que eu fico com raiva? Quando vocês fazem esta pergunta e quando vocês tentam achar uma resposta, qual é a resposta que descobrem? Eu gostaria de ouvir de vocês a resposta.

Platéia: Meu amigo me deixa com raiva.

Godwin: É sempre a outra pessoa. Então o ponto é que meu amigo não está se comportando da maneira que eu quero que ele se comporte. Assim vocês vêm, a partir de uma simples pergunta, vocês descobrem que o problema não é com o meu amigo, mas comigo, por ter uma expectativa de como o meu amigo deveria ser. Como eu disse anteriormente sobre a meditação, vocês aprendem a assumir a responsabilidade pela raiva que sentem, e param de culpar os outros e começam a assumir a responsabilidade. E é assim que uma mudança, uma transformação pode ocorrer em nós mesmos a partir da única pergunta: por que eu fico com raiva? Estou feliz que vocês façam perguntas e espero que haja mais perguntas.

Platéia: Estou calmo agora, mas quando meus filhos tiram notas baixas na escola eu fico com raiva, embora eu os ame.

Godwin: Eu gosto dessas perguntas práticas. Penso que todos os pais podem se identificar com essa pergunta. Eu sei que certamente isso também ocorre no Sri Lanka. Então como a meditação ajuda em tal situação? Uma coisa que você disse é que agora você está calmo, então um ponto a ser lembrado é que nós não deveríamos ter a expectativa de estar sempre calmos. Podemos aprender com uma mente que está calma. Podemos também aprender com uma mente que não está calma. Se você espera estar sempre calmo, como aconteceu no seu caso, quando você não está calmo, você sofre. Você fica com raiva de si mesmo. Você está desapontado com consigo. Você se dá uma nota baixa. Então eu sugeriria que na situação em que você descreveu, quando você ficar com raiva, apenas saiba que você está com raiva. E amanhã eu falarei sobre a importância da prática da conscientização e da vigilância – um aspecto muito importante da meditação. Então a primeira sugestão que tenho a lhe oferecer é que você apenas se conscientize da raiva, porque se você está consciente da raiva e apenas fica com a raiva, você provavelmente não será capaz de expressar a raiva de forma violenta. Então apenas se conscientizar da raiva e não expressá-la nos permite desenvolver algum tipo de controle, domínio sobre nossa raiva, então esse é o primeiro ponto. A segunda sugestão é, ao ficar com isso depois de algum tempo, você pode se recuperar da raiva. E quando você se recuperar da raiva você faz a seguinte pergunta: por que eu fiquei com raiva do meu filho? Eu o amo tanto, e aqui estou ficando com raiva, talvez eu o esteja deixando com raiva. Então quando você explorar essa pergunta, você percebe, de certa forma, que o problema é que você tem uma expectativa de como seu filho deveria ser na sala de aula. Essas são expectativas razoáveis dos pais, mas descobrir o quanto essas expectativas são realistas é outra questão. Até que ponto meu filho é capaz de atender às minhas expectativas? Não deveria perguntar ao meu filho porque ele não está indo bem na escola? Isso é algo muito, muito importante porque com mais e mais meditação, nós aprendemos a tentar entender o comportamento de outras pessoas e tentar ver as coisas das suas perspectivas, ao invés de projetar nossas expectativas nos outros. Então se você pode falar com seu filho de forma gentil, amigável e compreensível: meu querido filho, quais são suas dificuldades na escola? Isso é algo muito importante que o Buddha enfatizou, ter uma amizade espiritual com todos aqueles com quem você tem de se relacionar. É muito importante para os pais terem esse tipo de relacionamento amistoso com seus filhos para que os filhos possam estar numa posição de dialogar com os pais honestamente, amigavelmente, sobre as dificuldades que possuam. Acho isso extremamente importante. Sei que no Sri Lanka algumas crianças estão completamente sozinhas, não há ninguém a quem elas possam recorrer, pois elas têm medo de falar honestamente com seus pais, têm medo de falar sobre suas dificuldades com os professores, então elas estão completamente perdidas e é muito triste quando as crianças não têm em quem confiar quando elas estão em situações difíceis. Então eu gosto de enfatizar e apontar que é muito importante nessa situação estabelecer uma conexão com a criança e então tentar entender o que ela está passando e isso seria algo bastante proveitoso, significativo, ao contrário de ficar com raiva. Penso que há tempo para mais uma pergunta.

Platéia: Temos pensamentos, desejos e sofrimento. É verdade que com a meditação se pode deixar de ter esses pensamentos, desejos e sofrimento?

Godwin: Não é assim tão fácil. É interessante que você mencionou os pensamentos. Eu sinto que é a área mais importante na mente humana, pois desde o momento em que acordamos até a hora em que vamos dormir, o que acontece? Há pensamentos passando continuamente pela nossa mente. Acho que todos aqui conseguem se identificar com isto. Aqui, quando estou falando, vocês têm seus próprios pensamentos passando pela mente. Costumo colocar esta questão: sobre o quê pensa você de manhã à noite? Alguém pode sugerir uma resposta? O que estamos pensando de manhã à noite, sem nunca parar. Então vocês percebem a importância de fazer perguntas simples. Sobre o quê pensamos?

Platéia: Na maior parte do tempo, pensamos sobre nós mesmos, o “eu” e o “meu”, todo tempo.

Godwin: Absolutamente correto, mesmo quando estamos pensando nos outros, eles sempre estão relacionados a você. Isto não é interessante? E a próxima pergunta é em relação a nós mesmos e os outros, o que fazemos com os nossos pensamentos? O que fazemos é julgar. E a maneira simples como descrevo isso é que damos pontos positivos e pontos negativos. Quando vocês se lembram de algo bom que fizeram, vocês se sentem felizes, e dão um ponto positivo, um grande mais. Quando nos lembramos de algumas coisas erradas que fizemos, algum erro que cometemos, algumas coisas ruins que fizemos, damos um grande menos. E fazemos o mesmo com relação aos outros. Às coisas ruins, erradas que outros fizeram, nós os damos pontos negativos. Boas coisas que outros fizeram, atribuímos pontos positivos. Então não é interessante que da manhã até a noite, nós nos tornamos professores dando notas positivas e negativas? Eu conheço algumas pessoas que vivem num inferno que elas criaram e, neste inferno, existem apenas pontos negativos. Elas pensam somente sobre seus erros, suas deficiências. E em relação aos outros, nós temos pensamentos similares, então, desta forma, podemos criar um inferno e podemos realmente sentir tristeza e viver em depressão, então é assim que criamos nosso próprio sofrimento com nossos pensamentos. E você percebe que há uma conexão entre pensamentos e emoções. Uma pergunta interessante a ser explorada é: o que vem primeiro, o pensamento ou a emoção? Vocês já descobriram a resposta? O que vem primeiro, o pensamento ou a emoção? Vocês percebem a importância da meditação? Sendo assim, eu discutirei essas coisas enquanto avançamos.

Voltando à questão do que podemos fazer é sobre isso que falarei amanhã – a importância da conscientização. Com conscientização, apenas observar os pensamentos que estão passando por nossa mente e apenas perceber como estamos usando pensamentos destrutivamente criando sofrimento para nós e sofrimento para os outros. Também podemos usar pensamentos criativamente. Falarei sobre isso mais adiante. E a pergunta que vocês fizeram sobre desejos, lá novamente vemos uma relação, conexão entre pensamentos e desejos. Como eu disse, esta é a importância da meditação. Por isso o Buddha deu tantas declarações importantes, muito muito profundas, sobre como a mente funciona. E através desse entendimento do uso da conscientização, vocês percebem como nós criamos nosso próprio sofrimento, nossos próprios problemas. Através dessa percepção nos libertamos do sofrimento e dos problemas, isso que é a meditação. Então iremos discutir essas questões importantes enquanto avançamos nos próximos dias...

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domingo, 2 de outubro de 2011

É só respirar.



Na sala vazia e silenciosa, dois monges zen, com seus mantos e cabeças raspadas, estão sentados no chão, lado a lado, pernas cruzadas. Depois de alguns instantes, o mais jovem lança um olhar surpreso e irônico para o mestre. Sereno, o velho monge comenta: “É só isso, mesmo. Não vai acontecer mais nada”. Não se trata de uma cena real. É só uma charge publicada na renomada revista americana The New Yorker, brincando com o novo hábito americano de meditar regularmente, como fazem os orientais há milhares de anos. A fina ironia da charge, no entanto, tem a ver com a realidade. Embora singela, a atitude de sentar sobre uma almofada (ficar em posição de lótus exige um preparo de monge) e ficar atento à própria respiração é tão fora de propósito em nossa rotina atabalhoada que é fácil se identificar com o jovem monge, perplexo e irônico, ao encará-la pela primeira vez. Comigo não foi diferente.
Na primeira vez em que me detive a acompanhar o compasso da respiração, o sentimento inicial foi de surpresa. Espantei-me pela rapidez com que tudo caminhou para a inatividade. O turbilhão de pensamentos que ocupava minha mente (uma conta para pagar, uma cena do filme que vi no dia anterior, uma ótima piada para contar aos amigos) foi desaparecendo sem que eu me desse conta. O incômodo da perna dormente, pressionada pela flexão, logo foi substituído por um inesperado prazer, prazer de simplesmente respirar. Então, de repente, foi como se tudo houvesse parado nos primeiros segundos depois de acordar, aqueles instantes em que você se sente presente e alerta, mas com a cabeça vazia. Enfim, aqueles poucos segundos do dia em que nada acontece.
Foi então que tudo ficou meio irônico: o êxtase, o delicioso estranhamento que entupiu meus sentimentos, acabou em um segundo! E no instante seguinte todos os pensamentos voltaram: a conta, o filme, a piada e mais um monte de coisas. Rindo comigo mesmo, me perguntei – talvez como um jovem monge perplexo e desconfiado – se não haveria algo mais divertido para fazer naquele instante. Mas logo me peguei novamente de olhos fechados.
Quer dizer que meditar é só parar e não pensar em nada? É. Como afirmam os especialistas, é um não-fazer. Mas, acredite, não é fácil. Não para ocidentais como eu e você, acostumados com a idéia de que, para resolver um assunto, o primeiro passo é pensar bastante nele. Na meditação, a idéia é exatamente o oposto: parar de pensar, por mais bizarro que isso pareça.
A novidade é que, mesmo parecendo alienígena, a meditação conquista cada vez mais adeptos no Ocidente. Dez milhões de americanos meditam regularmente em casa e em hospitais, escolas, empresas, aeroportos e até em quiosques de internet. Entre os milhões de meditadores americanos estão celebridades de grosso calibre, como o dirigente da Ford, Bill Ford, e o ex-vice-presidente Al Gore. No Brasil, a exemplo da Hollywood dos anos 90, a meditação entrou para a rotina de estrelas – como a atriz Christiani Torloni e a apresentadora Angélica, que recorreu à prática para livrar-se de uma crise de síndrome do pânico – e virou ferramenta diária de produtividade em empresas e até em alguns círculos do poder. O prefeito de Recife, João Paulo, por exemplo, só inicia o expediente após meditar por alguns minutos.
Mas como é que algo assim, na contramão do pragmatismo moderno, consegue empolgar tanta gente? Como pode haver gente capaz de pagar caro para participar de sessões de meditação – ou seja, para ficar sentado em silêncio em uma sala quase sem móveis?
Sem dúvida há muita gente desiludida com o modo de vida ocidental (a destruição do meio ambiente, a vida cada vez mais solitária das grandes cidades e a competição pelo ganha-pão). Mas esse contingente não é capaz de explicar, sozinho, a explosão da meditação. A verdade é que a ciência resolveu se debruçar sobre os efeitos dessa prática, e as notícias dos laboratórios de pesquisa cada vez convencem mais pessoas a relaxar em posição de lótus.
O principal resultado dessas pesquisas pode ser resumido em duas palavras: meditação funciona. Ou seja, por mais estranho que pareça aos ratos de academia que se esfalfam em exercícios para melhorar a capacidade cardiorrespiratória, não fazer nada por alguns minutos diariamente tem efeitos palpáveis, reais e mensuráveis no corpo. E o melhor: só apareceram efeitos positivos (pelo menos até agora). Ou seja, aquilo que os adeptos da tradicional medicina chinesa e os mestres budistas viviam repetindo (com um sorriso bondoso no rosto) começa a ser comprovado por alguns renomados centros de pesquisa ocidentais, como as universidades Harvard, Columbia, Stanford e Massachusetts, nos Estados Unidos, e pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Brasil.
É difícil listar as descobertas porque as pesquisas sobre a meditação alcançaram a maioridade recentemente. Mais precisamente no ano 2000, quando o líder do budismo tibetano, o Dalai Lama (sempre ele), encontrou-se com um grupo de psicólogos e neurologistas na Índia e sugeriu que os cientistas estudassem um time de craques em meditação durante o transe, para ver o que ocorria com seus corpos. Os cientistas abraçaram o desafio e, desde então, as pesquisas não param de produzir surpresas. Já se sabe, por exemplo, que meditar afeta, de fato, as ondas cerebrais. Sabe-se também que isso tem efeitos positivos sobre o sistema imunológico, reduz a tensão e alivia a dor. “Três décadas de pesquisas mostraram que a meditação é um bom antídoto ao estresse”, diz o jornalista e psicólogo americano Daniel Goleman, autor dos livros Inteligência Emocional e Como Lidar com as Emoções Destrutivas, este o relato do encontro dos cientistas com o Dalai Lama.
“Agora, o que está mira dos pesquisadores é saber como a meditação pode treinar a mente e reformatar o cérebro”, afirma Daniel.
A piada dos dois monges, lá no início desta reportagem, não é gratuita. Afinal, faz séculos que se pratica meditação no Oriente, por recomendação religiosa (veja quadro sobre as meditações religiosas na página 62). O detalhe é que agora a orientação também é médica. Nos anos 70, quando a prática começou a se espalhar pelo Ocidente, impulsionada pelo movimento hippie, o cantor e compositor brasileiro Walter Franco cantava que tudo era uma questão de “manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo”. Hoje, os versos de Walter poderiam fazer parte de uma receita médica, de um treinamento em uma grande empresa ou até mesmo de um programa para a recuperação de presos.
“Focalizar a atenção no mundo interior, como se faz na meditação, é uma situação terapêutica”, diz o psicólogo José Roberto Leite, coordenador do instituto de medicina comportamental da Unifesp. “Queremos avaliar o alcance dessa prática e isolá-la de seu aspecto supersticioso.” Por trás dessa intenção está o fato de que as causas de doenças mudaram muito nos últimos 100 anos. No passado, os males eram causados principalmente por microorganismos. As pessoas morriam de poliomielite, de sarampo, de varíola e outras doenças causadas por bactérias e vírus. Mas isso mudou, graças às melhorias em saneamento e à criação de antibióticos e vacinas. “Hoje, a maioria das doenças é causada por coisas como hipertensão, obesidade e dependência química, que estão ligadas a padrões inadequados de comportamento”, diz José Roberto. Ou seja, o que mata hoje são os maus hábitos.
E são esses maus hábitos que se pretende combater pela meditação, também conhecida pelo pomposo nome de “prática contemplativa”. Apaziguar a mente, os cientistas estão descobrindo agora, pode reduzir o nível de ansiedade e corrigir comportamentos pouco saudáveis. O cardiologista Herbert Benson, da Universidade Harvard, um dos maiores pesquisadores da meditação e do poder das crenças na promoção da saúde, chega a estimar em seu livro Medicina Espiritual que 60% das consultas médicas poderiam ser evitadas se as pessoas apenas usassem a mente para combater as tensões causadoras de complicações físicas.
Mas, afinal, como é que se medita e o que acontece durante a prática contemplativa? Bem, há um leque de modalidades para quem deseja meditar, mas a receita básica é a mesma: concentração. Vale concentrar-se na respiração, uma imagem (um ponto ou uma imagem de santo), um som ou na repetição de uma palavra (o famoso mantra, como “ohmmm”, por exemplo). Parar de pensar equivale a ficar quase que exclusivamente no presente. Faz sentido. Os pensamentos são feitos basicamente de duas substâncias: as idéias e experiências que ouvimos, vivemos ou aprendemos no passado e os planos e apreensões que temos para o futuro. É naqueles raros momentos em que o meditador consegue livrar-se desses ruídos que surgem os sentimentos comuns nas descrições de iogues famosos: sensação de estar ligado com o Universo ou ter uma superconsciência do mundo. Meditar é, portanto, concentrar-se em cada vez menos coisas, inibindo os sentidos e esvaziando a mente. Tudo isso sem perder o estado de alerta, ou seja, sem dormir.
Mas como saber se deu certo? Como saber se você meditou? Essa é a melhor parte da história: não há nota ou avaliação. A não ser que você medite plugado em um aparelho de eletroencefalograma para saber se suas ondas cerebrais se alteraram. Como isso é pouco prático, a melhor medida para seu desempenho é você mesmo. Só você pode dizer o que sentiu e se foi bom.
BIOLOGIA DO ZEN
Os efeitos da meditação sobre o corpo são surpreendentes. Nos primeiros estudos sobre a meditação, na década de 60, o cardiologista Benson, de Harvard, e outros pesquisadores submeteram meditadores a experimentos nos quais a pressão arterial, os ritmos cerebrais e cardíacos e mesmo a temperatura da pele e do reto eram monitorados. Constatou-se então que, enquanto meditavam, eles consumiam 17% menos oxigênio e seu ritmo cardíaco caía para incríveis três batimentos por minuto (a média para pessoas em repouso é de 60 b.p.m.). Isso acontecia quando as ondas cerebrais alcançavam o ritmo teta, mais lento e poderoso, no qual a mente atingiria o estado de “superconsciência” relatado pelos iogues e caracterizado por insights e alegria.
As ondas teta vibram a apenas quatro ciclos por segundo. Para se ter uma idéia, quando estamos ativos o cérebro emite ondas beta, de oscilação em torno de 13 ciclos por segundo. Você conhece essa sensação causada pelas ondas teta. É aquele embotamento dos sentidos que surge nos segundos que antecedem o sono. Naquele momento, nosso cérebro funciona no ritmo teta. Mas os meditadores pesquisados não estavam dormindo. Ao contrário, estavam bem acordados e serenos.
Mais tarde, percebeu-se também que no momento da meditação o fluxo sanguíneo diminuía em quase todas as áreas cerebrais, mas aumentava na região do sistema límbico, o chamado “cérebro emocional”, responsável pelas emoções, a memória e os ritmos do coração, da respiração e do metabolismo. O cardiologista Benson, que escreveu um clássico sobre o tema nos anos 90 – A Resposta do Relaxamento – , tomou emprestado um pouco da humildade oriental e disse que seu trabalho se resumiu a explicar biologicamente técnicas conhecidas há milênios.
Desde então, uma série de novas pesquisas, respaldadas em imagens da intimidade neurológica feitas por tomógrafos sofisticados que retratam o cérebro em funcionamento, levantou o véu sobre outros segredos. Um dos estudos mais abrangentes e reveladores foi realizado por Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. A idéia era registrar o que ocorre com o cérebro quando se alcança o clímax em práticas místicas como a meditação e a oração. Newberg rastreou a atividade cerebral de um grupo de budistas em meditação profunda e de um grupo de freiras franciscanas rezando fervorosamente.
Ele constatou uma significativa alteração no lobo parietal superior, localizado na parte anterior do cérebro e responsável pelo senso de orientação – a capacidade de percepção do espaço e do tempo e da própria individualidade. Segundo as descobertas de Newberg, à medida que a contemplação se torna mais profunda, a atividade na região diminui aos poucos até cessar totalmente no momento de pico, aquele em que o meditador experimenta a sensação de unicidade com o Universo, cerca de uma hora após o início da concentração. Nesse instante, privados de impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal desligam os mecanismos das funções visuais e motoras e o meditador ou devoto perde a noção do “eu” e sente-se prazerosamente expandido, além de qualquer limite. É o nirvana. Ou seja, Newberg registrou em seus aparelhos a imagem de um cérebro literalmente no paraíso.
Mas não é só isso. As imagens revelaram que, durante a experiência, os lobos temporais (sede das emoções no cérebro) tiveram sua atividade redobrada, o que explicaria a enorme influência da meditação sobre as emoções e a personalidade dos praticantes. Newberg não teve dúvida em sua conclusão: as sensações de elevação e contato com o divino vivenciadas por budistas e freiras são um fenômeno real, baseado em fatos biológicos.
Mas há quem veja tudo isso com uma certa desconfiança. “Ao que parece, estamos diante de um fenômeno de marketing”, disse Richard Sloan, psicólogo do Centro Médico Presbiteriano de Columbia, em Nova York, comentando o encontro do Dalai com os cientistas, há três anos. Segundo Richard, é discutível se o impacto da meditação sobre o sistema nervoso e a saúde tem um efeito profundo e duradouro ou apenas superficial e efêmero. Então, está na hora de conferir o que os estudos dizem a respeito.
MENTE QUIETA, CORPO SAUDÁVEL
A meditação ajuda a controlar a ansiedade e a aliviar a dor? Ao que tudo indica, sim. Nessas duas áreas os cientistas encontraram as maiores evidências da ação terapêutica da meditação, medida em dezenas de pesquisas. Nos últimos 24 anos, só a Clínica de Redução do Estresse da Universidade de Massachusetts monitorou 14 mil portadores de câncer, aids, dor crônica e complicações gástricas. Os técnicos descobriram que, submetidos a sessões de meditação que alteraram o foco de sua atenção, os pacientes reduziram o nível de ansiedade e diminuíram ou abandonaram o uso de analgésicos. Ou seja, eles aprenderam a entender a dor, em vez de combatê-la. Com isso, deixaram de antecipá-la ou amplificá-la por meio do medo de vir a senti-la. Sim, porque boa parte da sensação dolorosa é psicológica, fabricada pelo medo da dor. Resultado: as queixas de dor, segundo o diretor da clínica, Jon Kabat-Zinn, diminuíram, em média, 40%.
No hospital da Unifesp, em São Paulo, a meditação é indicada para pacientes com fibromialgia (dores nos músculos e articulações), fobias e compulsões. Ali, estudo recente dirigido pela doutora em biologia Elisa Harumi Kozasa atestou a melhoria da agilidade mental e motora em ansiosos e deprimidos que, durante três meses, meditaram sob a orientação de instrutores indianos. Outra pesquisa, coordenada pelas psicólogas Márcia Marchiori e Elaine de Siqueira Sales, deve comparar nos próximos meses os efeitos terapêuticos da meditação com os das técnicas de relaxamento físico.
O desempenho antiestresse da meditação, segundo estudos das universidades americanas Stanford e Columbia, acontece porque a mente aquietada inibe a produção de adrenalina e cortisol – hormônios secretados nas situações de estresse – , ao mesmo tempo que estimula no cérebro a produção de endorfinas, um tranqüilizante e analgésico natural tão poderoso quanto a morfina e responsável pela sensação de leveza nos momentos de alegria.
Já parece motivo suficiente para render-se aos mantras, mas tem mais. Investigações realizadas na Universidade Wisconsin, nos Estados Unidos, acrescentaram que meditar também melhora a ação do sistema imunológico, que defende o organismo contra o ataque de microorganismos (bactérias, vírus e outros germes). A experiência comparou dois grupos de voluntários – um constituído de pessoas que meditavam havia alguns meses e o outro de não-meditadores. Primeiro constatou-se que os meditadores tiveram um aumento na atividade da área cerebral relacionada às emoções positivas. Então, ambos os grupos foram vacinados contra gripe e submetidos a medições quatro semanas e oito semanas depois. O pessoal habituado a entoar mantras apresentou um número bem maior de anticorpos, o que sugere que seus sistemas de defesa estavam mais ativos.
Em abril passado, durante um encontro da Associação Americana de Urologia, anunciou-se que a meditação ajuda a conter o câncer da próstata. E alguns pesquisadores relataram que mulheres com câncer de mama que passaram a meditar tiveram elevação no nível de células imunológicas que combatem tumores. Mas essas descobertas estão longe de alcançar a unanimidade entre os cientistas. O psiquiatra americano Stephen Barret, um dos principais críticos às terapias alternativas nos Estados Unidos, desconfia desses resultados. “Meditar pode aliviar o estresse, mas sua ação nunca irá além disso no tratamento de doenças graves, como o câncer.” Mesmo um entusiasta da técnica, como Herbert Benson, não descarta os tratamentos ocidentais tradicionais. Para ele, a saúde e a longevidade no mundo moderno serão, cada vez mais, resultado de um tripé formado por remédios, cirurgias e cuidados pessoais, incluindo-se aqui a meditação e todo o poder catalisador das crenças nas reações orgânicas.
O CÉREBRO REPROGRAMADO
Mas ainda há muita coisa para ser descoberta sobre o mantra e os pesquisadores estão debruçados sobre os meditadores, tentando entender como é que um ato tão simples causa tantas modificações. Estudos como o de Wisconsin, que ligam disciplina mental a emoções positivas e ao bom desempenho do sistema imunológico, atiçam o interesse dos cientistas em avaliar o real poder da meditação na reformatação das funções cerebrais. E o que eles estão descobrindo é que, com suficiente prática, os neurônios podem reprogramar a atividade dos lobos cerebrais, especialmente a área relacionada à concentração e à orientação.
Não dá para negar que, sobre concentração, o Dalai Lama e os orientais, com sua atenção aos detalhes e sua atenção extrema, têm muito a ensinar aos ocidentais. “Só há pouco a psiquiatria ocidental reconheceu a existência do transtorno do déficit de atenção (uma síndrome caracterizada pela dificuldade de concentração, baixa tolerância à frustração e impulsividade), mas há milhares de anos tradições como o budismo afirmam que todos sofremos desse distúrbio com mais ou menos intensidade”, diz o psiquiatra Roger Walsh, da Universidade da Califórnia em Irvine.
A possibilidade de alterar em profundidade o cérebro, apenas meditando, talvez possa no futuro ajudar a prevenir ou a superar complicações vasculares a custo bem mais baixo que o das cirurgias. Ou a romper condicionamentos e redirecionar as mentes de indivíduos anti-sociais – o que, aliás, vem sendo testado com relativo êxito. Numa experiência na Kings County North Rehabilitation Facility, penitenciária próxima a Seattle, nos Estados Unidos, um grupo de prisioneiros condenados por crimes relacionados ao consumo de droga e álcool praticou vippassana (meditação budista com foco inicial na respiração, seguida de análise existencial) 11 horas por dia durante dez dias. Após voltarem para casa, apenas 56% deles reincidiram na criminalidade no prazo de dois anos, um índice considerado bom comparado aos 75% de reincidência entre os que não meditaram.
Já na Universidade Cambridge, nos Estados Unidos, um estudo constatou a redução de até 50% nas recaídas de pacientes com depressão crônica que passaram a meditar regularmente. A doença é acompanhada por uma diminuição no nível do serotonina no cérebro, processo geralmente revertido com o uso de antidepressivos, como Prozac. A meditação aumenta a produção desse neurotransmissor, funcionando como um antidepressivo natural. Em Cotia, em São Paulo, um programa de meditação para crianças carentes, conduzido pela monja Sinceridade no Templo Zu Lai (sede da primeira universidade budista do país), tem resultado em mudanças no comportamento de 128 meninos de favelas. “Eles melhoraram significativamente a concentração. E a convivência social com eles tornou-se mais tranqüila”, diz ela.
FAST FOOD MENTAL?
Toda essa popularidade, porém, não permite afirmar que a meditação continuará mantendo alguma identidade com a prática ancestral do Oriente. Além de sua gradual transformação em técnica laica, ocorre neste momento uma rápida adaptação do modo de usá-la ao estilo de vida ocidental.
Em vez de contemplações que duram uma eternidade (você aí teria pique para ficar quatro horas sentado no chão, imóvel, como faz diariamente o Dalai Lama?), tornou-se padrão a meditação de 20 minutos duas vezes ao dia. Ainda assim, isso parece exigir uma boa dose de sacrifício de inquietos habitantes de metrópoles como Nova York e São Paulo. No próximo ano, o autor Victor Davich lançará nos Estados Unidos o livro Eight Minutes that Will Change your Life (“Oito Minutos que Mudarão sua Vida”) no qual defenderá um tipo de meditação “fast food” de não mais que oito minutos. Segundo ele, esse é o tempo que os americanos estão acostumados a se concentrar diariamente: os blocos de programas de TV duram exatamente isso, entre um comercial e outro. Da mesma forma, os mantras sonoros em sânscrito das meditações místicas foram substituídos por mantras mentais, baseados em palavras escolhidas ao acaso.
Tais ajustes são vistos com reservas por iogues, praticantes tradicionalistas e até instrutores mais liberais, como a americana Susan Andrews, para quem é saudável tirar a meditação “das nuvens do esoterismo” e aproximá-la da ciência. “Relaxamento e pensamento positivo são efeitos colaterais da meditação, não sua meta”, diz Susan. “O grande alvo é atingir a hiperconsciência, o samadhi, aquele estado de plenitude, iluminação e êxtase indescritível.” A questão é que para chegar lá o meditador precisa deixar de lado a idéia de que meditar não implica qualquer esforço, cuidando de manter a concentração firme e afinada por pelo menos uma hora. E isso, admitamos, é algo que também exige um preparo de monge.

Passo a passo
Há vários maneiras de meditar, mas a regra básica é a mesma: atenção
Sentado
No chão ou em uma cadeira, mantenha a coluna ereta e concentre-se nos movimentos da respiração, observando a entrada e a saída do ar pelas narinas. Se preferir, concentre-se num mantra, que pode ser qualquer palavra, uma frase ou apenas um murmúrio. Repita seu mantra a cada expiração. Fechar os olhos pode ajudar. Se ficar de olhos abertos, concentre o olhar em um ponto.
Em pé
Posicione-se junto a uma fileira de árvores e tente se sentir como uma delas. Concentre-se na respiração e imagine seus pés desenvolvendo raízes no chão.
Caminhando
É uma boa saída para quem, por algum motivo, não consegue ficar imóvel. O segredo é focar as pisadas, vendo-as como um todo ou como segmentos do movimento, que pode ser lento ou acelerado. Melhor caminhar em círculo, sem a expectativa de um ponto de chegada.
Visualização
Crie uma imagem significativa para você – pode ser um símbolo religioso ou uma paisagem – e concentre-se nela.

Entre o céu e os neurônios
Meditação não é coisa só de budistas. Várias religiões têm sua versão dessa prática
Hinduísmo
Textos sagrados do período védico, entre 2000 e 3000 a.C., fazem referências a mantras e contemplações. A meditação é uma das principais práticas do conjunto de escolas religiosas da Índia conhecido como hinduísmo.
Budismo
Foi meditando debaixo de uma figueira que o príncipe Sidarta Gautama alcançou a iluminação, por volta de 588 a.C., tornando-se o Buda. Prática fundamental no budismo, a meditação é vista, sobretudo, como um método de examinar a realidade pessoal e eliminar condicionamentos.
Cristianismo
Os chamados padres do deserto, da região de Alexandria, no Egito, é que consolidaram a meditação como hábito cristão no século 4. A prática, disseminada nos monastérios, desde o século passado vem sendo adotada por cristãos leigos.
Judaísmo
Os praticantes da Cabala, tradição esotérica judaica, difundiram a meditação entre seus adeptos na Europa, por volta do ano 1000, como uma forma de entrar em comunhão com Deus.
Islamismo
Também por volta do ano 1000, os sufis, que constituem o segmento místico dos muçulmanos, incorporaram a meditação aos seus rituais, os quais incluem o êxtase místico por meio da dança.
Independentes
Em 1967, um encontro dos Beatles com o guru Maharishi Mahesh Yogi iniciou a expansão da meditação transcendental no Ocidente e o florescimento de uma infinidade de gurus e técnicas meditativas que, desde então, atraem adeptos em toda parte.

Para saber mais
Na livraria
A Mente Alerta, Jon Kabat-Zinn, Objetiva, Rio de Janeiro, 2001
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Fonte:
http://super.abril.com.br/ciencia/so-respirar-444172.shtml


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