domingo, 30 de janeiro de 2011

O Caminho da Concentração e Atenção Plena





O Caminho da Concentração e Atenção Plena

Por Ajaan Thanissaro

Muitas pessoas nos dizem que o Buda ensinou dois tipos diferentes de meditação - meditação da atenção plena e meditação da concentração. A meditação da atenção plena, elas dizem, é o caminho direto, enquanto que a prática da concentração equivale à rota panorâmica que você toma por sua própria conta e risco, pois é muito fácil se deixar envolver e nunca mais conseguir escapar. Mas quando você investiga aquilo que o Buda realmente ensinou, ele nunca separou essas duas práticas. Ambas são partes de um todo. Todas as vezes em que ele explica a atenção plena e o seu papel no caminho, ele esclarece que o propósito da atenção plena é conduzir a mente ao estado de Concentração Correta - fazer com que a mente se acalme e encoontre o lugar onde possa sentir-se realmente equilibrada, em casa, de onde possa olhar para as coisas com constância e vê-las pelo que na verdade são.

Parte do problema das “duas práticas” se deve à forma como entendemos a palavra jhana, que é um sinônimo para Concentração Correta. Muitos de nós ouvimos que jhana é um estado bastante intenso, semelhante a um transe, que requer uma contemplação intensa e o bloqueio do resto do mundo. Não soa nada parecido com a atenção plena. Mas se você procurar no Cânone a descrição do Buda para jhana, esse não é o estado ao qual ele se refere. Estar em jhana é estar absorvido, de forma muito agradável, na sensação de todo o corpo, completamente. Uma sensação de consciência ampla preenche todo o corpo. Uma das imagens usadas pelo Buda para descrever esse estado é aquela de uma pessoa misturando água com pó de banho, de tal forma que a água permeie o pó de banho por toda a parte. Outra, é um lago em que uma fonte fresca surge do fundo e se espalha por todo o lago.

Agora, quando você está com o corpo como um todo, você se encontra intensamente no momento presente. Você está exatamente ali todo o tempo. Como o Buda disse, o quarto jhana - em que o corpo está repleto com a consciência luminosa - é o ponto em que a atenção plena e a equanimidade se tornam puras. Portanto, não deveria haver nenhum problema em combinar a prática da atenção plena com a consciência de todo o corpo que se torna bastante calma e tranqüila. Na verdade, o próprio Buda as combina na descrição dos quatro primeiros passos da meditação da respiração: (1) estar consciente da respiração longa, (2) estar consciente da respiração curta, (3) estar consciente de todo o corpo da respiração à medida em que você inspira e expira, (4) acalmar a respiração. Isto, os textos nos dizem, é a prática básica da atenção plena. Também é uma prática básica da concentração. Com esses passos você estará entrando no primeiro jhana - Concentração Correta e ao mesmo tempo estará praticando a Atenção Plena Correta.

Para ver como a Atenção Plena Correta e a Concentração Correta se auxiliam mutuamente na prática, podemos verificar os três estágios da prática da atenção plena expostos no Sutta dos Fundamentos da Atenção Plena. Tome o corpo como um exemplo. O primeiro estágio é manter o foco no corpo, colocando de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Isto significa tomar o corpo como um corpo, sem pensar nele em termos do que ele significa ou do que ele pode fazer no mundo. Ele pode ser bonito ou feio. Pode ser forte ou fraco. Pode ser ágil ou desajeitado - todas as questões que nos preocupam quando pensamos sobre nós mesmos. O Buda disse para colocar essas questões de lado.

Simplesmente, estar com o corpo, sentado exatamente aqui. Você fecha os olhos - o que você sente? Existe a sensação corpórea resultante do fato de você estar sentado. Esse é o seu fundamento. Tente permanecer com ela. Insista em trazer a mente de volta para essa sensação corpórea até que ela capte a mensagem e comece a se acalmar. No início da prática você irá ver a mente escapar para se agarrar a isto ou aquilo, você observa apenas o suficiente para dizer-lhe que se solte daquilo, retorne ao corpo e permaneça ali. Então ela escapa para se agarrar a alguma outra coisa, você lhe diz para se soltar, retornar e mais uma vez se prender ao corpo. Até que, finalmente, você chega a um ponto em que consegue se fixar na respiração e você não irá soltá-la, de acordo? Você a mantém fixa. A partir desse ponto, qualquer outra coisa que venha a entrar em contato com a sua consciência será como algo surgindo e roçando as costas da sua mão. Você não precisa notar isso. Você permanece com o corpo como o seu fundamento básico. As outras coisas surgem e desaparecem, você tem consciência delas, mas você não abandona a respiração para se agarrar a elas. Nesse ponto você realmente estabeleceu o corpo como um fundamento sólido.

Ao fazer isso, você desenvolveu três qualidades na mente. Uma é a atenção plena (sati). O termo atenção plena quer dizer ser capaz de lembrar, manter algo presente na mente. No caso de utilizar o corpo como um fundamento, significa ser capaz de lembrar onde você deve permanecer - com o corpo - sem permitir que você se esqueça. A segunda qualidade, plena consciência (sampajañña), significa estar consciente daquilo que está acontecendo no presente. Você está com o corpo? Você está com a respiração? A respiração está confortável? Simplesmente, note o que está acontecendo no momento presente. Nós tendemos a confundir atenção plena com plena consciência, mas na verdade elas são coisas distintas: a atenção plena significa ser capaz de lembrar onde você quer manter a sua consciência; plena consciência significa estar consciente daquilo que está realmente acontecendo. A terceira qualidade, ardência (atappa), significa duas coisas. Um, se você se der conta que a mente está vagando, você a traz de volta. Imediatamente. Você não permite que ela fique vagando, cheirando as flores. Dois, quando a mente está com o seu fundamento, ardência significa tentar, tanto quanto possível, ser sensível àquilo que está acontecendo - não sendo apenas levado pelo momento presente, mas tentando realmente penetrar mais e mais os detalhes sutis daquilo que realmente está ocorrendo com a respiração ou a mente.

Quando você possui essas três qualidades focadas no corpo, você não poderá deixar de acalmar-se e sentir-se realmente confortável com o corpo no momento presente. É quando você está preparado para o segundo estágio da prática, que é descrita como ter a consciência da origem e da cessação. Nesse estágio você estará tentando entender causa e efeito tal como eles ocorrem no presente. Com relação à prática da concentração, uma vez que você tenha acalmado a mente, você deve entender a interação entre causa e efeito no processo de concentração, de forma que você possa fazer com que ela se estabeleça de maneira mais sólida por períodos de tempo mais longos, em todos os tipos de situação, na almofada de meditação e fora dela. Para fazer isso, você precisa aprender como as coisas surgem e cessam na mente, não somente pela observação, mas pelo real envolvimento com o seu surgimento e cessação.

Você pode observar isso nas instruções do Buda de como lidar com os obstáculos. No primeiro estágio, ele diz para ter consciência dos obstáculos conforme eles surgem e cessam. Algumas pessoas pensam que se trata de um exercício de “consciência imparcial”, no qual você tenta não forçar a mente para qualquer direção, você simplesmente senta e observa, desejando ou não, tudo aquilo que surge na mente. Em termos práticos, no entanto, a mente ainda não está preparada para isso. O que você precisa neste estágio é de um ponto de referência fixo para avaliar os eventos na mente, da mesma forma como quando você está tentando avaliar o movimento das nuvens no céu: você precisa escolher um ponto fixo - tal como uma cumeeira de um telhado ou um poste de luz - para o qual possa fixar o olhar de forrma a ter uma noção da direção e velocidade das nuvens. O mesmo com relação ao surgimento e cessação dos desejos sensuais, má vontade, etc., na mente: Você precisa tentar manter um ponto de referência fixo para a mente - como a respiração - se você realmente quiser ter sensibilidade para identificar quando os obstáculos na mente estiverem interferindo com o seu ponto de referência ou não.

Suponha que a raiva esteja interferindo com a sua concentração. Ao invés de se envolver com a raiva, você tenta simplesmente estar consciente de quando ela está presente e quando não. Você olha para a raiva como um evento em si e por si mesmo - como ela surge, como ela desaparece. Mas você não para por aí. O próximo passo - enquanto você ainda está empenhado em focar na respiração - é o de reconhecer como fazer com que a a raiva desapareça. Algumas vezes, apenas o ato de observá-la é o suficiente para fazer com que ela despareça, outras vezes não e você terá então que lidar com ela de outras formas, tal como debatendo as razões por trás da raiva ou lembrando a si mesmo das desvantagens da raiva. Como parte do processo de lidar com ela, você terá que “por a mão na massa”. Você terá que tentar entender porque a raiva está surgindo, porque ela está desaparecendo, como você pode fazer com que ela saia dali, pois você se dá conta de que ela representa um estado inábil. E isso exige uma certa dose de improvisação. Experimentação. Você tem que tirar o ego e a impaciência da frente para poder ter o espaço para cometer erros e aprender com eles, para que você possa desenvolver a habilidade de lidar com a raiva. Não se trata apenas de odiar a raiva e tentar colocá-la de lado, ou de amá-la e recebê-la de braços abertos. Essas abordagens podem trazer resultados no curto prazo, mas no longo prazo elas não são particularmente hábeis. O requisito neste caso é a habilidade para ver a composição da raiva e como você pode desfazê-la.

Uma técnica que gosto de usar - quando a raiva está presente e estou numa situação em que não preciso reagir imediatamente - é simplesmente perguntar a mim mesmo de maneira bem humorada, “Muito bem, porque você está com raiva?” Ouça aquilo que a mente tem a dizer. Então prossiga com o tema: “Mas porque você está com raiva disso?” “Claro que estou com raiva. Pois…” “Bem, mas porque você está com raiva disso?” Se você prosseguir dessa forma, a mente irá eventualmente admitir algo tolo, como por exemplo a suposição de que as pessoas não deveriam se comportar assim - apesar de ser óbvio que elas são assim - ou que as pessoas deveriam agir de acordo com os seus padrões, ou qualquer outra coisa pela qual a mente se sente tão envergonhada que tenta esconder de você. Mas no final, se você continuar sondando, ela irá se revelar. Desta forma, você obterá um profundo entendimento da raiva e isso poderá enfraquecer o poder que ela tem sobre você.

Com relação às qualidades positivas como a atenção plena, tranqüilidade e concentração, ocorre algo semelhante. Primeiro, você tem a consciência de quando elas estão presentes e quando não estão para então se dar conta de que é muito mais agradável quando estão presentes do que quando não estão. Assim, você tenta compreender como elas surgem e como cessam. Você faz isso tentando manter conscientemente o estado de atenção plena e concentração. Se você for realmente observador - e essa é a essência de tudo, ser observador - você começará a perceber que existem formas hábeis de manter esse estado sem estar preocupado em falhar ou ser bem sucedido, sem permitir que o desejo de obter um estado mental tranqüilo interfira com o processo de tranqüilizar a mente. Você quer ser bem sucedido, mas precisa ter uma atitude equilibrada em relação ao fracasso e ao êxito de forma a aprender com eles. Ninguém está registrando num marcador ou avaliando notas. Você está aqui para aprender em seu próprio benefício. Dessa forma, esse processo de desenvolver o seu fundamento da atenção plena não é “simplesmente observar”. É muito mais a participação no processo de surgimento e cessação - na verdade brincar com o processo - de maneira que você possa aprender com a experiência de como o fenômeno de causa e efeito atuam na mente.

Certa vez, quando eu estava na universidade, escrevi para casa reclamando da comida e a minha mãe me mandou um livro de receitas da Julia Child. No livro havia uma seção sobre como lidar com ovos, onde ela dizia que um sinalizador de um bom cozinheiro era o seu conhecimento a respeito de ovos. Assim, eu peguei um ovo. Você pode observar um ovo - você pode aprender certas coisas apenas ao observá-lo, mas você não aprende muito. Para aprender sobre ovos você tem que colocá-los em uma frigideira e tentar fritá-los. Se você fizer isso durante algum tempo irá começar a compreender que os ovos possuem variações e que eles se comportam de certas formas em relação ao calor e de outras em relação ao óleo, manteiga ou o que quer que seja. E assim, ao trabalhar com o ovo e tentar fazer algo com ele, você passa de verdade a entender de ovos. Ocorre algo semelhante com a argila: você realmente não entende de argila até que se torne um oleiro e tente realizar algo com a argila.

E o mesmo ocorre com a mente: a não ser que você realmente tente fazer alguma coisa com a sua mente, tente estabelecer um estado mental e mantê-lo, você não conhecerá a sua mente verdadeiramente. Você não conhecerá os processos de causa e efeito dentro da mente. Tem que existir um elemento de verdadeira participação no processo. Dessa maneira, você poderá entendê-la. Tudo isso se resume em ser observador e desenvolver uma habilidade. A essência do desenvolvimento de uma habilidade significa duas coisas. Um, você tem consciência de uma situação tal como ela se apresenta, e dois, você tem consciência do seu envolvimento nela. Quando o Buda fala sobre causas, ele diz que todas as situações são moldadas por dois lados - as causas que vêm do passado e as causas que você está colocando no presente. Você tem que estar sensível a ambas. Se você não tiver sensibilidade em relação àquilo que você está colocando em uma certa situação, você nunca irá desenvolver nenhum tipo de habilidade. Como você tem consciência daquilo que está fazendo, você também observa os resultados. Se algo não estiver certo, você retorna e modifica o que fez - seguindo dessa forma até que obtenha os resultados que você deseja. E durante o processo você aprende sobre a argila, os ovos, ou qualquer outra coisa que você esteja tentando lidar com habilidade.

O mesmo se aplica à mente. É claro, você poderia aprender algo sobre a mente ao tentar alcançar qualquer tipo de estado, mas para o propósito de desenvolver o insight realmente penetrante, um estado de concentração estável, equilibrado e plenamente atento é o melhor tipo de ‘suflê’ ou ‘pote de cerâmica’ no qual você irá querer estabelecer a sua mente. Os fatores de prazer, conforto e , algumas vezes, até mesmo êxtase que surgem quando a mente realmente se acalma ajudam você a permanecer com conforto no momento presente, com um centro de gravidade baixo. Uma vez que a mente esteja firmemente estabelecida dessa forma, você terá algo para investigar por um bom período de tempo, de maneira que possa ver qual é a sua composição. No típico estado mental desequilibrado, as coisas aparecem e desaparecem muito rapidamente para que você possa notá-las com clareza. Mas como o Buda notou, quando você desenvolve a habilidade com jhana, você pode retroceder um pouco e ver com clareza como as coisas são. Você pode ver, digamos, onde existe um elemento de apego, onde existe um elemento de estresse, ou mesmo onde existe inconstância dentro do seu estado equilibrado. É nesse ponto que você começa a obter o insight, quando você vê as linhas naturais de segmentação entre os diferentes fatores da mente e, em particular, a linha de segmentação entre a consciência e os objetos da consciência.

Uma outra vantagem desse estado plenamente atento e concentrado é que você irá se sentir cada vez mais à vontade nele, você começará a se dar conta de que é possível ter felicidade e prazer na vida sem ter que depender de coisas externas - pessoas, relacionamentos, aprovação de outros ou qualquer outra coisa proveniente de ser parte do mundo. Essa compreensão ajuda a libertá-lo dos seus apegos às coisas externas. Algumas pessoas temem se apegar a um estado de tranqüilidade mas, na verdade, é muito importante que você se apegue nesse caso, para que você comece a se acalmar e a se desfazer dos seus apegos externos. Só quando esse apego à calma for o único restante, você irá começar a trabalhar para afrouxá-lo também.

Ainda uma outra razão porque a concentração sólida é necessária para o insight é que quando o discernimento surge na mente, a lição básica que ele lhe ensinará é que você tem sido estúpido. Você se apegou a coisas mesmo sabendo, lá no fundo, que não valia a pena. Agora, tente convencer as pessoas disso quando elas estão famintas e cansadas. Elas reagirão de imediato, “Você também é estúpido”, e esse será o fim da discussão. Não se chegará a lugar nenhum. Mas se você conversar com alguém que esteja bem alimentado e descansado, você pode levantar todos os tipos de assuntos sem correr o risco de uma briga. É o mesmo com a mente. Quando ela estiver bem alimentada com o êxtase e a tranqüilidade da concentração, ela estará pronta para aprender. Ela aceitará as suas críticas sem se sentir ameaçada ou maltratada.

Então, esse é o papel que a concentração desempenha neste segundo estágio da prática da atenção plena. Ela lhe oferece algo com que brincar, uma habilidade a ser desenvolvida, para que você possa começar a entender os fatores de causa e efeito dentro da mente. Você começa a ver a mente apenas como um fluxo de causas com os seus efeitos retornando até você. As suas idéias são parte desse fluxo de causa e efeito, as suas emoções, a sua noção de quem você é. Esse insight começa a afrouxar os seus apegos a todo esse processo.

O que acontece, finalmente, é que no terceiro nível na prática da atenção plena a mente alcança um estado de equilíbrio perfeito – onde você desenvolveu um tal estado de concentração e de equilíbrio ao ponto de não ter que adicionar nada mais. No sutta dos Fundamentos da Atenção Plena isso é descrito, simplesmente, como estar consciente - se você estiver usando o corpo como fundamento- é estar consciente de que “Existe um corpo”, o suficiente para o conhecimento e a atenção plena, sem estar apegado a nada no mundo. Outros textos denominam esse estado de “não formação”. A mente alcança um ponto em que você começa a compreender que todos os processos causais na mente - incluindo os processos de concentração e insight - são como bonecas de piche. Se você gostar delas, você ficará grudado; se você não gostar, você ficará grudado também. Então, o que fazer? Você tem que chegar ao ponto em que na realidade não estará contribuindo com nada mais para o momento presente. Você desata a sua participação dele. É quando as coisas se abrem na mente.

Muitas pessoas querem dar um salto e começar direto por esse nível, o de não adicionar nada ao momento presente, mas não é assim que funciona. Você não consegue ter sensibilidade para as coisas sutis que a mente está habitualmente adicionando ao presente, a não ser que você tente conscientemente alterar aquilo que você está adicionando. À medida que a sua habilidade for melhorando, você terá mais sensibilidade para as coisas sutis que você fazia, mas não se dava conta. Você, então, alcança um ponto de desencantamento e é quando compreende que a maneira mais hábil para lidar com o presente é eliminar todos os níveis de participação, até mesmo aqueles que causam a mínima parcela de estresse na mente. Você começa a desmontar os níveis de participação que aprendeu no segundo estágio da prática, até o ponto em que as coisas alcançam o equilíbrio por si mesmas, onde existe o soltar-se de tudo e o libertar-se.

Portanto, é importante compreender que existem esses três estágios na prática da atenção plena, e de entender o papel que a prática deliberada da concentração desempenha em conduzi-lo através dos dois primeiros. Sem ter como objetivo a Concentração Correta, você não poderá desenvolver as habilidades necessárias para compreender a mente - pois é durante o processo de conquista da habilidade da concentração plenamente atenta que o verdadeiro insight surge. Da mesma forma como você não entende realmente o que é um rebanho de gado, até que você o tenha arrebanhado com êxito - aprendendo com todos os seus fracassos durante o processo - você não será capaz de obter a compreensão de todas as correntes de causa e efeito que percorrem a mente, até que você tenha aprendido com os seus fracassos e êxitos a fazer com que ela se mantenha num estado de concentração plenamente atenta e atenção plena concentrada. E só quando você tiver realmente entendido e dominado essas correntes - as do desejo que causam sofrimento e estresse e as da atenção plena e da concentração que formam o Caminho - você poderá soltar-se e libertar-se delas.

Nota: Adaptado de uma palestra proferida no Cambridge Insight Meditation Center e como parte do curso, O Papel das Quatro Nobres Verdades, no Barre Center for Buddhist Studies, Fevereiro de 1996.

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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O Caminho da Tranqüilidade e Insight







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Budismo Theravada


O Caminho da Tranqüilidade e Insight

Por

Bhante Henepola Gunaratana

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O Buda disse que assim como no mar existe apenas um sabor, o sabor do sal, na sua doutrina e disciplina também existe apenas um sabor, o sabor da liberdade. O sabor da liberdade que permeia os ensinamentos do Buda é o sabor da liberdade espiritual, que na perspectiva Budista significa a libertação do sofrimento. No processo de emancipação do sofrimento, a meditação é o meio para gerar o despertar interior necessário para a libertação. Os métodos de meditação ensinados na tradição do Budismo Theravada estão baseados na própria experiência do Buda, forjados por ele durante a sua própria busca pela iluminação. Eles estão desenhados para recriar, no discípulo que os pratica, o mesmo tipo de iluminação que o próprio Buda alcançou quando ele sentou sob a figueira-dos-pagodes, o despertar para as Quatro Nobres Verdades.

Os vários objetos e métodos de meditação expostos nas escrituras do Budismo Theravada – o Cânone em Pali e os seus comentários – estão divididos em dois sistemas interrelacionados. Um é chamado o desenvolvimento da tranqüilidade, (samatha-bhavana), e o outro, o desenvolvimento do insight, (vipassana-bhavana). O primeiro também pode ser denominado o desenvolvimento da concentração, (samadhi-bhavana), e o último, o desenvolvimento da sabedoria, (pañña-bhavana). A prática da meditação da tranqüilidade objetiva desenvolver uma mente tranqüila, concentrada, unificada, como meio para experimentar a paz interior e como base para o desenvolvimento da sabedoria. A prática da meditação de insight objetiva obter o conhecimento direto da natureza real dos fenômenos. Das duas, o desenvolvimento de insight é considerado no Budismo como a chave essencial para a libertação, o antídoto direto contra a ignorância que está por detrás do cativeiro e do sofrimento. Enquanto a meditação da tranqüilidade é reconhecida como comum a ambas as disciplinas contemplativas Budistas e não Budistas, a meditação de insight é considerada como a descoberta singular do Buda e uma característica inigualável do caminho proposto por ele.

Consequentemente, devido ao fato do aprofundamento do insight pressupor um certo grau de concentração, e a meditação da tranqüilidade ajudar a alcançá-lo, o desenvolvimento da tranqüilidade também desfruta de um lugar incontestável no processo meditativo Budista. Juntos, os dois tipos de meditação atuam para fazer da mente um instrumento capacitado para a iluminação. Com a sua mente unificada através do desenvolvimento da tranqüilidade, afiada e luminosa com o desenvolvimento do insight, o meditador poderá proceder desobstruído para alcançar o fim do sofrimento, nibbana.

Fundamental em ambos os sistemas de meditação, embora inerente à tranqüilidade, está um conjunto de realizações meditativas chamadas jhanas. Apesar dos tradutores terem oferecido variadas interpretações dessa palavra, variando da débil “reflexão” até a enganosa “transe” e a ambígua “meditação”, nós preferimos a palavra sem tradução, permitindo que o seu significado aflore do seu uso contextual. Os jhanas são estados de profunda unificação mental que resultam da concentração da mente num único objeto, com tal poder de atenção que o que sucede é a total imersão no objeto. Os suttas fazem menção a quatro jhanas, designados simplesmente com base na sua posição numérica na série: o primeiro jhana, o segundo jhana, o terceiro jhana e o quarto jhana. Nos suttas, esses quatro aparecem repetidamente, cada um descrito com um enunciado padrão.

A importância dos jhanas no caminho Budista pode ser facilmente avaliada pela freqüência com que eles são mencionados nos suttas. Os jhanas figuram com proeminência tanto na própria experiência do Buda, bem como nas suas exortações aos discípulos. Na sua infância, enquanto participava de um festival anual de semeadura, o futuro Buda espontaneamente entrou no primeiro jhana. Muitos anos mais tarde, foi a memória desse incidente na sua infância, que, durante um período de grande desalento em seguida à fútil prática de austeridades, revelou a ele o caminho para a iluminação. Depois de sentar sob a figueira-dos-pagodes, o Buda entrou imediatamente nos quatro jhanas antes de dirigir a sua mente para os três conhecimentos verdadeiros que culminaram com a sua iluminação.

Durante toda a sua ativa carreira, os quatro jhanas permaneceram como a estada divina à qual ele recorria para desfrutar de uma permanência confortável aqui e agora. A sua compreensão das impurezas, da purificação, do surgimento em relação aos jhanas e outras realizações meditativas é um dos dez poderes de um Tathagata, dez poderes que o capacitam a girar a incomparável roda do Dhamma. Pouco antes de falecer o Buda entrou nos jhanas em ordem direta e reversa, e a morte em si ocorreu diretamente no quarto jhana.

O Buda é visto constantemente nos suttas encorajando os seus discípulos a desenvolver os jhanas. Os quatro jhanas são sempre incluídos no curso completo de treinamento especificado para os seus discípulos. Eles aparecem no treinamento como a disciplina da mente superior, a concentração correta no Nobre Caminho Óctuplo e a faculdade e o poder da concentração. Embora um método de “insight seco”, (prática de insight desprovido de jhana), possa ser encontrado nos textos, os indícios são de que esse caminho não é fácil, pois carece do auxílio da poderosa tranqüilidade disponível para o praticante de jhana. O caminho daquele que realizou jhana parece, em comparação, ser mais estável e mais prazeroso. O Buda até se refere aos jhanas em sentido figurado como um certo tipo de nibbana.

Para alcançar os jhanas, o meditador precisa começar eliminando os estados mentais ruins e prejudiciais que obstruem a calma interior, em geral agrupados como os cinco obstáculos: desejo sensual, má vontade, preguiça e torpor, inquietação e ansiedade, e dúvida. A absorção da mente no seu objeto é produzida por cinco estados mentais opostos àqueles – pensamento aplicado, pensamento sustentado, êxtase, felicidade e unicidade – chamados de fatores de jhana porque eles elevam a mente ao nível do primeiro jhana e permanecem ali como seus componentes definidores.

Depois de alcançar o primeiro jhana, o meditador ardente pode prosseguir para alcançar os jhanas mais elevados, que é alcançado pela eliminação dos fatores mais grosseiros em cada jhana, enquanto ele objetiva a pureza superior do jhana seguinte. Além dos quatro jhanas, há um outro grupo de quatro estados meditativos mais elevados, que aprofundam ainda mais o elemento da tranqüilidade. Essas realizações, conhecidas como realizações imateriais ou sem forma, são denominadas a base do espaço infinito, a base da consciência infinita, a base do nada e a base da nem percepção, nem não percepção. Nos comentários em Pali essas realizações são chamadas de os quatro jhanas imateriais, sendo que os quatro estados anteriores, visando evitar confusões, são chamados de os quatro jhanas da matéria sutil. Freqüentemente, os dois conjuntos são unificados sob o título coletivo de oito jhanas ou oito realizações.

Os quatro jhanas e as quatro realizações imateriais aparecem inicialmente como estados mundanos de profunda tranqüilidade pertencendo ao estágio preliminar do caminho Budista, e nesse nível eles ajudam a proporcionar a base de concentração necessária para que a sabedoria surja. Mas os quatro jhanas reaparecem novamente num estágio subseqüente no desenvolvimento do caminho, em associação direta com a sabedoria libertadora, e nesse caso, eles são designados de jhanas supramundanos.

Esses jhanas supramundanos são os níveis de concentração associados aos quatro níveis de experiência da iluminação, chamados de caminhos supramundanos, e os estágios de libertação deles resultantes são chamados de quatro frutos.[3]

Finalmente, mesmo depois que a libertação completa tiver sido alcançada, os jhanas mundanos ainda permanecem como realizações disponíveis para a pessoa completamente libertada como parte da sua experiência contemplativa ilimitada.

Notas:

[3] O caminho supramundano, (magga),de entrar na correnteza e o fruto, (phala), de entrar na correnteza, (sotapanna); o caminho supramundano de retornar uma vez e o fruto de retornar uma vez, (sakadagami); o caminho supramundano de não retornar e o fruto de não retornar, (anagami); o caminho supramundano de arahant e o fruto de arahant.

Fonte: Tricycle – The Buddhist Review. Winter 2004

www.tricycle.com

Revisado: 21 Maio 2005

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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

As Diversas Graduações da Visão Clara




Por

Ajaan Brahmavamso

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Meditação é o caminho para a renúncia. Primeiro você renuncia a todas as percepções de tempo para entrar no momento presente que é atemporal. Aí você abandona o diálogo interno para ficar tranquilamente no estado de atenção silenciosa. Em seguida, você abandona a maior parte da atividade dos seus cinco sentidos só mantendo a atenção na sua respiração. Depois você abandona a sua respiração e fica observando o seu desaparecimento.

Nesse estágio, você não pode mais ver, ouvir, sentir, degustar ou sentir o tato. Parece que o seu corpo desapareceu e no seu lugar você está ciente de uma linda luz, o nimitta. O nimitta é um reflexo da citta, (mente), vista através do sexto meio dos sentidos. Daí você abandona todo o controle para ser absorvido pela luz e entrar no êxtase do mundo do jhana. Assim, os jhanas acontecem automaticamente quando você realmente renuncia; eles são descritos como estados profundos de renúncia, abandono.

O Buda, repetidas vezes e de modo muito claro, afirmou que a plena iluminação não pode ser alcançada sem a experiência dos jhanas. No entanto, na atualidade, alguns mestres afirmam que o grau de desapego proporcionado pelos jhanas é desnecessário. Com freqüência, oBahiya Sutta (Udana I.10), é mencionado como evidência disso. Bahiya não era um bhikkhu. O sutta não registra que ele praticasse a generosidade, ou que tivesse tomado refúgio na jóia tríplice, ou que observasse os preceitos de virtude. Além disso, o sutta não dá nenhuma indicação de que Bahiya praticasse a meditação, quanto mais experimentar os jhanas. No entanto, depois de receber um breve ensinamento do Buda, Bahiya se iluminou tornando-se um arahant, numa questão de segundos!

Este episódio é bem conhecido nos círculos Budistas porque dá a impressão que a iluminação é tão fácil. Parece que não é necessário ordenar-se como bhikkhu, que a pessoa pode ser egoísta e não praticar a generosidade, que não é necessário tomar refúgio ou observar os preceitos e que até mesmo a meditação pode ser evitada! Que alívio! Só a inteligência é necessária. (Todos sabemos que somos inteligentes, não é mesmo?). Isso torna a realização de Bahiya atraente e notória.

Então, qual foi o contexto desse ensinamento? Aqui vai a minha própria tradução:

Bahiya, você deveria se treinar assim: no visto haverá somente o visto; no ouvido haverá somente o ouvido; no sentido [1] haverá somente o sentido; no conscientizado haverá somente o conscientizado. Praticando desta maneira, Bahiya, você não será “por causa disso”. Quando você não é “por causa disso”, você não está “nisso”. E quando você não está “nisso”, então, você não estará nem aqui, nem além, nem entre os dois. Exatamente isso é o fim do sofrimento.

E então Bahiya se tornou iluminado. Parece fácil, não é? Você acabou de ler o mesmo ensinamento. Você conseguiu se iluminar? Não?! Porque não?

Como ocorre com freqüência, a história do sutta registra apenas os pontos principais de um longo episódio. Da mesma forma que as fotos de um casamento não registram o primeiro encontro, o namoro, as brigas e discussões, muitos suttas não registram tudo o que aconteceu antes. Então qual é a história completa de Bahiya? Como podemos encaixar o final, retratado para a posteridade neste sutta, no seu contexto apropriado? Felizmente, toda a história está registrada no Apadana (histórias dos Budas e dos seus principais discípulos) e nos comentários.

Numa de suas vidas passadas, Bahiya havia sido um bhikkhu sob o Buda Kassapa. Ele e mais seis outros bhikkhus escalaram uma montanha íngreme e jogaram a escada fora, determinados a permanecer no topo da montanha até que alcançassem a iluminação ou morressem. Um dos bhikkhus se tornou uma arahant, outro um anagami e os cinco restantes morreram na montanha sendo que Bahiya era um desses cinco. Na sua última vida, Bahiya havia sido um marinheiro muito viajado e que acabou naufragando e alcançando a terra firme tendo perdido todas as suas posses e roupas. Ele se vestiu com cascas de árvores e passou a esmolar alimentos numa cidade chamada Supparaka. As pessoas da cidade ficaram impressionadas com a aparência e modos de Bahiya oferecendo-lhe um modo de vida confortável, e assim ele não regressou ao seu ofício de marinheiro. As pessoas consideravam Bahiya um arahant e Bahiya pensava da mesma forma.

Nesse ponto um deva se deu conta do que Bahiya pensava e por compaixão o repreendeu. Esse deva era o seu antigo companheiro na montanha que havia falecido como um anagami. Ele relatou a Bahiya que havia um verdadeiro arahant, o Buda, que se encontrava no outro lado da Índia, em Savatthi. De imediato Bahiya saiu de Supparaka, (Sopara na atualidade, situada ao norte de Mumbai), levando uma noite para chegar em Savatthi.

Bahiya encontrou o Buda, que estava esmolando alimentos, e pediu que ele lhe desse um ensinamento. O Buda primeiramente se recusou, pois ele vinha numa hora não apropriada. Mas ao ouvir o pedido pela terceira vez, o Buda interrompeu a esmola de alimentos e deu o famoso ensinamento que apresentei acima. Segundos depois de ouvir esse Dhamma, Bahiya se iluminou. Alguns minutos mais tarde, o arahant Bahiya foi morto por uma vaca com seu bezerro.

Portanto, as circunstâncias de Bahiya eram excepcionais. Ele havia sido um bhikkhu sob o Buda anterior, Kassapa. A sua determinação era tão forte que ele foi para a montanha com o objetivo de se iluminar ou morrer. Na sua última vida ele podia ouvir os devas e foi capaz de percorrer cerca de 1.300 km numa noite. Se tivéssemos uma história como esta e os mesmos poderes supra-humanos de Bahiya, então talvez só de ler o discurso estaríamos iluminados também.

Usualmente, uma pessoa necessita de samadhi produndo – jhanas - para atingir poderes supra-humanos como esses. Levando-se em conta a sua vida passada, seguramente Bahiya deve ter tido uma predisposição para a meditação. Além disso, ambos os poderes supra-humanos, do “ouvido divino”, que o capacitou a ouvir o deva, e o outro que fez com que ele viajasse tão rápido, sugerem ter ele sido praticante de jhana antes de ouvir o deva. Talvez essa fosse uma outra razão porque ele se considerava um arahant. Mas há outras evidências que sugerem que Bahiya praticava os jhanas, embora isso não esteja mencionado nos textos.

Poucas pessoas sabem que o mesmo ensinamento deste sutta também foi dado pelo Buda para o bhikkhu ancião Malunkyaputta, (SN XXXV.95). Malunkyaputta aparece várias vezes nos suttas. Particularmente no MN 64, que com certeza relata um evento anterior ao que Malunkyaputta recebeu o ensinamento igual ao de Bahiya. O Buda primeiro menospreza Malunkyaputta pelo seu entendimento incorreto e aí o ensina sobre a necessidade de atingir pelo menos um dos jhanas para destruir os cinco primeiros grilhões [2] (e assim, atingir o nível daquele que não retorna). O Buda disse na frente do Malunkyaputta que era impossível atingir o nível de anagami (quanto mais a iluminação completa), sem um jhana, assim como era impossível alcançar o cerne de uma árvore sem primeiro passar por sua casca e pelo alburno. Pense nisso.

Assim, o Venerável Malunkyaputta foi primeiro ensinado sobre a necessidade de jhana e então mais tarde ele recebeu o ensinamento igual ao de Bahiya. Depois de ouvir esse ensinamento, “permanecendo só, isolado, diligente, ardente e decidido,” Malunkyaputta logo se tornou um arahant. É certo, no entanto, que ele atingiu jhana antes que o ensinamento de Bahiya pudesse ter seus efeitos ou o Buda teria sido flagrantemente inconsistente. Isso também adiciona peso à inferência de que Bahiya teria também experiência em jhana antes de ter ouvido o mesmo ensinamento – pois do contrário ele teria atingido o cerne da árvore sem passar pela sua casca e alburno!

Distorcendo o Entendimento

Então, o que fez Bahiya e Malunkyaputta verem nas palavras do Buda que gerou a experiência de arahant? Qual é o significado de “no ver haverá somente o visto”?

Isso quer dizer ver sem nenhuma distorção dos dados, sem adicionar ou subtrair nada. Como a moderna psicologia entende, o que chega até nós como “o visto” já foi filtrado e distorcido pelos nossos desejos e aversões. Esse processo de distorção ocorre antes do evento da cognição. É impossível ver esse processo enquanto ele ocorre. É subconsciente. Podemos apenas inferir a sua ocorrência: descobrimos que as nossas preferências embelezaram os dados para apresentar para a nossa mente o que nós queremos ver, enquanto a hostilidade negou qualquer acesso para a mente daquelas características que nós não queremos ver. O que nós vemos raramente é puramente o visto. Aquilo que nós vemos com a assim chamada atenção plena, não baseada no jhana, quase nunca é a verdade. Não é como as coisas são; é só como as coisas parecem ser.

Nós deveríamos ser suficientemente experientes para saber isso. Quando vocês homens vêem uma mulher bonita, o que é que vocês vêem? A maioria das pessoas, mesmo os bhikkhus, não vêem o que está ali realmente – só músculo, tendões, pele e cabelo – eles vêem, ao invés disso, uma mulher atraente. De onde vem isso? Nosso desejo sexual adicionou isso, distorcendo a realidade. Quando você vê o corpo recém-falecido da sua mãe, o que você vê? Novamente, você não vê o que está ali na verdade – só músculo, tendões, pele e cabelo. Ao invés disso, você vê uma tragédia, porque o seu apego adicionou uma profunda tristeza, distorcendo a realidade.

No nordeste da Tailândia, há muitos anos atrás, nos monastérios pobres no meio de florestas isoladas, eu tive de comer gafanhotos, sapos, formigas e outros insetos rastejantes. Isso era tudo que havia para comer. Um prato comum era guisado de ovo de formiga. Quando você ler isso agora, você estará praticando “no visto haverá apenas o visto” ou você acrescentou seu próprio nojo? Gafanhotos fritos eram na verdade muito apetitosos. Quanto dos nossos próprios gostos e desgostos nós adicionamos ao visto?

Vinte e cinco séculos antes da moderna psicologia o Buda identificou o processo que distorce a cognição e chamou-a de vipallasa.[3] Ele explicou esse processo essencialmente circular começando do nosso entendimento. Nossas opiniões modificam as nossas percepções para concordarem com as nossas idéias. As percepções então formam a evidência para os nossos pensamentos. Aí os nossos pensamentos argumentam em favor das nossas idéias. É um ciclo que se auto-justifica. Idéias geram percepções que criam pensamentos que apóiam as idéias. Esse é exatamente o processo da delusão.

Por exemplo, alguém acredita em Deus. Ela tem uma concepção teísta. Essa concepção nega acesso para a mente de qualquer percepção que desafie essa concepção. Fatos científicos, como aqueles dos campos da astrofísica, física quântica, geologia e bioquímica, se tornam percepções sem acesso. Elas são rejeitadas antes mesmo de entrar na consciência porque elas são antiéticas para a concepção. Somente percepções que apóiem e se harmonizem com a concepção de Deus sobrevivem ao processo de filtração subconsciente. Essas percepções pró-Deus então formam os dados com os quais os nossos pensamentos trabalharão. Os dados são convincentes; eles confirmam as nossas concepções. Nós nos tornamos convencidos de que existe um Deus e nossa opinião fica cada vez mais resistente à contestação. Assim é a origem e progresso de muitas religiões, que estão completamente convencidas de que elas estão certas. Elas tomam erroneamente as coisas como elas parecem ser por como elas são.

Ou tome o debate sobre o aborto. Você é “pró-vida” ou “pró-escolha”? Qualquer uma dessas duas idéias corromperá a sua percepção através da seleção das percepções que apoiarão a sua idéia cegando a sua consciência para quaisquer outras percepções que a contestem. Seu pensamento será construído a partir das suas percepções, da mesma maneira que uma casa é construída de tijolos. Esse pensamento mal informado justifica sua idéia tão poderosamente que você simplesmente não pode entender porque todas as demais pessoas não vêem isso de modo correto, que é o seu modo!

Um último exemplo: Pergunte-se se a meditação é fácil para você. Se você pensar que meditação é difícil, e você estiver muito apegado a essa idéia, então meditação parecerá difícil. De onde vem essa opinião? Talvez, há muito tempo atrás, alguém com autoridade falou para você que meditação era difícil e você acreditou. Infelizmente, essa opinião permaneceu. Ou talvez, você começou a meditar sem uma instrução clara e precisa e daí você passou a achá-la difícil. Com base numa experiência limitada você formou uma opinião sólida, meditação é sempre difícil. E apesar disso, essa opinião surgiu, e uma vez lá, ela faz com que a meditação seja difícil! Seu apego a essa opinião distorce as suas percepções. As únicas percepções que acabam se tornando conscientes são aquelas que percebem as dificuldades da meditação. Baseado nessas percepções negativas, você pensa que meditação é de fato difícil. Você, e somente você, fez a meditação se tornar difícil!

Quando nós temos algum entendimento do que está acontecendo, nós temos a possibilidade de mudar essa opinião a respeito da meditação. Permita-me fazer uma lavagem cerebral em você! Deixe-me convencê-lo de que, apesar de quem disse o que, apesar de toda a sua falta de sucesso, MEDITAÇÃO É FÁCIL! MEDITAÇÃO É FÁCIL! Deixe-me fazê-lo acreditar que você pode meditar bem. Nesta vida você renasceu com um corpo humano precioso e está agora lendo os ensinamentos do Budismo, que não têm preço. Você está vivendo numa época em que o Dhamma está prosperando e você foi capaz de encontrar esse Dhamma maravilhoso. Você é um ser muito raro. Você trabalhou durante muitas vidas para ter uma oportunidade como essa. Com tantas coisas passadas a seu favor, é claro que você será capaz de meditar bem. O fato de você estar lendo isto prova que você tem um enorme estoque de kamma bom apoiando-o. Outras pessoas, muito menos capazes do que você atingiram jhana, então por que não você! Uma vez que você tenha criado uma opinião positiva da sua habilidade para a meditação – rapidamente – você perceberá só sucesso na meditação. Você acabou de tornar a meditação uma coisa fácil! Você abriu a porta para a tranqüilidade, felicidade interior e para os jhanas. Tente!

Descobrindo a Verdade

O ponto é que a idéia de que meditação é difícil para você ou que a meditação é fácil são ambas erradas. Elas são o produto de uma distorção daquilo que é visto, ouvido, sentido e conscientizado.

Ambas são delusão. Só que a idéia positiva é a delusão mais proveitosa. Na realidade, é a idéia que o levará a descobrir a verdade.

O Buda explicou que são os cinco obstáculos que distorcem a percepção e corrompem o nosso pensamento. Ele chamou de cinco obstáculos o alimento que sustenta a ignorância (AN X.61). O primeiro obstáculo, desejo sensual, seleciona o que nós queremos ver, ouvir, sentir e conscientizar. Ele sempre embeleza a verdade. Ele apresenta para a nossa consciência o produto do nosso desejo. O segundo obstáculo, má vontade, é o impulso negativo que nos impede de ver, ouvir, sentir ou conscientizar o que nós não queremos saber. Ele nos cega para o que é desagradável e para o que é contrário à nossa opinião. A psicologia conhece o segundo obstáculo como o processo de negação da realidade. O terceiro obstáculo é a preguiça e o torpor. Esse não distorce o que vemos, ouvimos, sentimos ou conscientizamos; ao invés, ele enterra tudo num nevoeiro de modo que somos incapazes de discernir claramente. O quarto obstáculo, inquietação e ansiedade, mantém os nossos sentidos se movendo rapidamente, tão rápido que não temos tempo suficiente para ver, ouvir, sentir ou conscientizar completamente. A visão não tem tempo de se formar completamente na nossa retina, pois ela já tem uma outra imagem no seu background com a qual lidar. Os sons são escutados com dificuldade quando nos pedem para escutarmos algo. O quarto obstáculo, inquietação e o seu caso especial, ansiedade, (inquietação interior devido a uma má conduta), é como o chefe ultra-exigente no seu escritório, que nunca lhe dá tempo suficiente para terminar um projeto adequadamente. O quinto obstáculo, dúvida, é aquele que interrompe a coleta de dados com perguntas prematuras. Antes que tenhamos experienciado completamente o visto, o ouvido, o sentido ou o conscientizado, a dúvida interfere no processo, como um estudante arrogante interrompe o professor com uma pergunta no meio de uma palestra. São esses 5 obstáculos que distorcem a percepção, corrompem o pensamento e mantêm a opinião deludida.

É bem conhecido entre os estudantes sérios do Budismo que a única maneira de suprimir os cinco obstáculos é através da prática de jhana. Como o Nalakapana Sutta (MN68) diz, para aqueles que não atingem jhana, os cinco obstáculos (mais descontentamento e cansaço) invadem a mente e permanecem. Qualquer coisa que não for jhana não será poderosa e duradoura o suficiente para suprimir os cinco obstáculos adequadamente. Portanto, mesmo que você esteja praticando atenção plena momentânea, se os cinco obstáculos ainda estiverem ativos num nível subconsciente, você não verá as coisas como elas são na verdade; você estará vendo apenas as coisas como elas parecem ser, distorcidas por esses cinco obstáculos.

Assim, para agir de acordo com os ensinamentos do Buda para Bahiya e para o venerável Malunkyaputta, para que “no visto haja só o que é visto, no ouvido haja só o que é ouvido, no sentido haja só o que é sentido e no conscientizado haja só o que é conscientizado”, os cinco obstáculos têm que ser suprimidos e isso significa jhana!

Vendo as Coisas como Elas São Na Realidade

É verdade que os cinco obstáculos são suprimidos no momento que precede o jhana, os comentários chamam-no de upacara samadhi, “imobilidade da mente que está para entrar em jhana” (tradução do Ajahn Brahm). Então, como é que você pode saber com certeza que esses insidiosos cinco obstáculos, que geralmente operam no nível subconsciente, estão totalmente suprimidos? Como é que você sabe que está em upacara samadhi? O teste decisivo é que você pode passar sem esforço nenhum da entrada para o primeiro jhana. Em upacara samadhi, não existe nenhum impedimento ou obstáculo entre você e o jhana. Se você não puder entrar em jhana, os cinco obstáculos ainda estão presentes. Portanto, para ter certeza que eles se foram, você tenta entrar em jhana e entra.

Quando a mente emergir do jhana, ela fica em upacara samadhi por um longo período, como quando você sai de casa, você fica na porta outra vez. É nesse ponto, durante o período imediatamente depois da experiência do jhana, quando os cinco obstáculos ainda não invadiram a mente, que a pessoa é capaz de finalmente praticar “no visto há apenas o visto, no ouvido há apenas o ouvido, no sentido há apenas o sentido e no conscientizado há apenas o conscientizado”. Como o Buda disse repetidamente, (por exemplo, no AN VI.50), só como resultado do jhana, (samma samadhi), é que uma pessoa conhece e vê as coisas como elas na verdade são (yatha-bhuta-ñanadassanam) e não como elas parecem ser.

O Fim da Idéia da Existência de um Eu

Uma experiência de jhana pode desmontar uma pessoa. O que eu quero dizer com isso? Quero dizer que a informação proporcionada pela experiência de jhana, contemplada imediatamente depois, em upacara samadhi, quando os obstáculos não podem distorcer nada, destrói a delusão do eu, alma e meu.

No primeiro jhana na maioria das vezes, e nos jhanas mais elevados completamente, a capacidade de fazer, de exercer a vontade e de fazer escolhas – o que eu chamo de “o fazedor” – desapareceu. Falando de uma maneira bem simples, a informação é tão clara e os cinco obstáculos não são mais capazes de fazer com que você não veja que não existe uma pessoa controlando o seu corpo e mente. Vontade não é o eu ou um produto do eu. Vontade é só um processo natural impessoal que pode chegar à cessação total. Você viu isso por você mesmo, e pode confiar nisso porque isso tudo ocorreu quando os cinco obstáculos, que distorcem, estavam suprimidos. Esse insight é o mais correto que você já teve: livre-arbítrio é uma delusão. Você, o leitor, será incapaz de concordar comigo. Isso porque os seus cinco obstáculos ainda estão ativos e eles farão com que você não enxergue isso. Portanto, experiencie um jhana primeiro, aí investigue esse assunto logo em seguida. Aí, tente discutir comigo! Além disso, em jhana - o verdadeiro, não os falsos - a visão, a audição e os sentidos desaparecem. Os cinco sentidos externos cessam. Essa informação também é clara. Quando a pessoa reflete na completa ausência dos cinco sentidos durante a experiência de jhana, no estado livre dos obstáculos do pós-jhana upacara samadhi, ela verá com certeza que não existe o eu, ou alma, ou o meu eu observando a visão, ouvindo os sons ou sentindo cheiros, sabores e toques. Não existe nenhum eu, alma ou meu eu compreendendo o que foi compreendido. Todas as formas de consciência são também como um processo impessoal que pode chegar a uma completa cessação. Em resumo, você não é o mesmo que a sua mente. A mente é apenas um processo natural. Ela pode parar completamente. Ela realmente pára, de uma vez para sempre em parinibbana!

Uma vez mais, você, meu leitor, será incapaz de concordar comigo. Os cinco obstáculos, que agora estão ativos dentro de você, sob a superfície da conscientização, impedem-no de ver a verdade. Uma experiência de jhana desafia o seu entendimento mais básico, o entendimento de que “Você é!” Não se preocupe com esses desentendimentos por enquanto. Ao invés disso, medite até que você tenha experienciado jhana e tenha suprimido os cinco obstáculos. Então, veja se tenho razão ou não!

A Parte Final do Ensinamento para Bahiya

“Bahiya, você deve treinar assim: Com relação ao que é visto, haverá apenas o visto…. Com relação ao que é conscientizado, haverá apenas o conscientizado. Practicando dessa maneira, Bahiya, você não será “por causa disso”. Quando você não é “por causa disso”, você não está “nisso”. E quando você não está “nisso”, então, você não estará nem aqui nem lá, nem no meio. Isso é o fim do sofrimento.”

O que significa, “você não será ‘por causa disso’? Em Pali é na tena. Tena é a palavra chave para “isso”. Na é a forma negativa. Significa, literalmente, “não por causa disso, não através disso, não por isso.” Significa, em essência, que você não assumirá que existe um eu, uma alma, ou um meu eu, só por que existe o ver, ouvir, cheirar, degustar, tocar, (sentir), ou conscientizar. O Buda estava dizendo que uma vez que você tenha penetrado a verdade da experiência sensorial, através da supressão dos obstáculos no jhana, você verá que não existe o “fazedor” ou “sabedor” por trás da experiência sensorial. Você não será mais capaz de usar a experiência sensorial como evidência para um eu. A famosa frase de Descartes “Eu sou por que eu penso” é refutada. Você não será por causa do pensamento ou por causa do ver, do ouvir ou do sentir. Nas palavras do Buda, “Você não será por causa disso (qualquer experiência dos sentidos).”

Quando os processos sensoriais são descartados como evidência defensável para a existência de um eu, uma alma ou meu eu, então você não estará localizado na experiência sensorial. Nas palavras do Buda, “Você não estará ‘nisso.’’ Você não verá mais, considerará, perceberá ou mesmo pensará que existe um “eu” envolvido na vida. Usando as palavras do médico, na versão original do seriado Star Trek, “É vida, Jim, mas não como nós a conhecemos!” Não existirá mais qualquer percepção de um eu ou alma no centro da experiência. Você não estará mais “nisso”.

Para fechar a abertura que poderia deixar você pensando que pode escapar da inexistência de um eu ou alma através da identificação com um estado transcendental de ser além do que é visto, ouvido, sentido ou conscientizado, o Buda bramiu, “e você não estará nem aqui (com o visto, ouvido, sentido ou conscientizado), nem além (fora do visto, ouvido, sentido ou conscientizado), nem entre os dois” (em nenhum mundo, nem além do mundo). A última frase confundiu os sofistas!

Em resumo, o Buda aconselhou ambos, Bahiya e o venerável Malunkyaputta a experienciar o jhana para suprimir os cinco obstáculos.

Só deste modo a pessoa pode discernir com certeza a ausência de um eu ou de uma alma por trás do processo sensorial. Consequentemente, a experiência sensorial não será mais tomada como evidência da existência do “fazedor” ou “sabedor”, de tal modo que você nunca mais voltará a imaginar um eu ou uma alma no centro da experiência, ou além dela, ou em algum outro lugar. O ensinamento para Bahiya formula de modo resumido o caminho para a realização do não-eu, anatta. Só isso, concluiu o Buda “é o fim do sofrimento.”

Conclusão

Espero que o meu argumento tenha sido forte o suficiente para desafiá-lo ou, mais do que isso, confundir as vipallasas que dirigem seus processos cognitivos. O ensinamento breve do Buda para Bahiya e para o venerável Malunkyaputta não é um atalho para os superinteligentes. A prática do “no visto haverá apenas o que é visto…” requer a supressão dos cinco obstáculos. A supressão dos cinco obstáculos requer jhana. Jhana requer o resto do nobre caminho óctuplo, os primeiros sete fatores. Ele requer fé na jóia triplice, a observação dos preceitos de virtude e a prática de dana. Existe apenas um caminho para nibbana, que é o nobre caminho óctuplo. Não existem atalhos.

Maggan’ atthangiko settho …
Eso’va maggo, natthi anno
Dassanassa visuddhiya

O melhor dos caminhos é o caminho óctuplo…
esse é o único caminho, não existe nenhum outro
para a purificação da visão.[4]

Fonte: http://www.acessoaoinsight.net/


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