quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Diferentes Tipos de Amor






O Rei Pasenadi olhou para o Buda. Ele ficou impressionado. O Buda falou com voz calma e quieta e o que disse foi ao mesmo tempo simples e profundo. O rei sentiu que podia confiar no Buda e então perguntou o que o estava angustiando.

“Mestre Gautama, há pessoas que dizem que você aconselha às pessoas a não amarem. Eles dizem que quanto mais uma pessoa ama, mas sofrerá e se desesperará. Posso ver alguma verdade nessa afirmativa, mas não consigo encontrar paz com ela. Sem amor, a vida pareceria vazia de significado. Por favor, me ajude a resolver isso.”

O Buda olhou para o rei de forma acolhedora. “Majestade sua questão é muito boa, e muitos podem se beneficiar dela. Há muitos tipos de amor. Deveríamos examinar em detalhes a natureza de cada tipo de amor. A vida tem grande necessidade da presença de amor, mas não do tipo de amor que é baseado na luxúria, paixão, apego, discriminação e preconceito. Majestade há outro tipo de amor, extremamente necessário, que consiste de bondade amorosa e compaixão, ou maitri e karuna.”

“Usualmente quando as pessoas falam de amor eles se referem apenas ao amor que existe entre pais e filhos, maridos e esposas, membros da família, casta ou país. Devido à natureza deste amor depender do conceito de ‘eu’ e ‘meu’, ele permanece misturado com apego e discriminação. As pessoas querem apenas amar seus pais, esposos, filhos, netos, seus parentes e compatriotas. Como são capturados pelo apego, eles se preocupam com acidentes que podem acontecer a seus amados mesmo antes deles ocorrerem. Quando esses acidentes ocorrem, eles sofrem terrivelmente. O amor que é baseado na discriminação produz preconceito. As pessoas se tornam indiferentes ou mesmo hostis àqueles fora de seu círculo de amor. Apego e discriminação são fontes de sofrimento para nós mesmos e para os outros. Majestade, o amor pelo qual todos os seres estão verdadeiramente famintos é a bondade amorosa e a compaixão. “

“Maitri é o amor que tem a capacidade de levar felicidade para outro. Karuna é o amor que tem a capacidade de remover o sofrimento do outro. Maitri e karuna não exigem nada em troca. Bondade amorosa e compaixão não estão limitadas aos pais, esposos, filhos, parentes, membros da casta e compatriotas. Eles se estendem a todas as pessoas e todos os seres. Em maitri e karuna não há discriminação, não há ‘meu’ e ‘não meu’. E como não há discriminação, não há apego. Maitri e karuna trazem felicidade e aliviam o sofrimento. Eles não causam sofrimento ou desespero. Sem eles, a vida seria vazia de significado, como você disse. Com bondade amorosa e compaixão, a vida é preenchida de paz, alegria, e contentamento. Majestade, você é o dirigente de todo um país. Todas as pessoas se beneficiariam de sua prática de bondade amorosa e compaixão.”

O rei inclinou sua cabeça pensando. Ele olhou ao Buda e perguntou, “Eu tenho uma família para cuidar e um país para dirigir. Se eu não amasse minha família e povo, como poderia cuidar deles? Por favor, esclareça para mim.”

“Naturalmente você deve amar sua própria família e povo. Mas seu amor pode também se estender para além de sua família e povo. Você ama e cuida do príncipe e da princesa, mas isso não o impede de amar e cuidar de outros jovens no reino. Se puder amar todos os jovens, seu amor atual, que é limitado, se tornará um amor inclusivo e todos os jovens do reino serão seus filhos. Isto é o que significa ter um coração de compaixão. Não é apenas um ideal. É algo que pode ser realizado, especialmente por alguém como você que tem tantos meios a disposição.”

“Mas e sobre os jovens dos outros reinos?”

“Nada o impede de amar os jovens de outros reinos como se fossem seus filhos mesmo que eles não habitem sob sua jurisdição. Apenas porque alguém ama seu povo não é razão para não amar povos de outros reinos.”

“Mas como posso mostrar meu amor por eles se não estão sob minha jurisdição?”

O Buda olhou para o rei. “A prosperidade e segurança de uma nação não deveria depender da pobreza e insegurança das outras nações. Majestade, paz duradoura e prosperidade são apenas possíveis quando as nações se juntam em um comprometimento comum para procurar o bem estar de todos. Se você quer que Kosara realmente desfrute de paz e que os jovens do seu reino não percam a vida nos campos de batalha, você deve ajudar aos outros reinos a achar paz. As políticas externas e econômicas devem seguir o caminho da compaixão para a paz verdadeira ser possível. Ao mesmo tempo, enquanto você ama e cuida de seu próprio reino, você pode amar outros reinos como Magadha, Kasi, Videha, Sakya e Lokya.”

“Majestade, ano passado eu visitei minha família no reino de Sakya. Eu descansei muitos dias em Arannakutika aos pés do Himalaya. Lá eu fiquei muito tempo refletindo sobre uma política baseada na não-violência. Eu vi que nações podem de fato desfrutar de paz e segurança sem ter que recorrer a métodos violentos tais como prisões e execuções. Eu falei dessas coisas ao meu pai, rei Suddhodana. Agora eu aproveito essa oportunidade para dividir as mesmas idéias com você. Um dirigente que nutre sua compaixão não precisa depender de meios violentos.”

O rei exclamou, “Maravilhoso! Verdadeiramente maravilhoso! Suas palavras são as mais inspiradoras! Você verdadeiramente é o iluminado! Eu prometo refletir em tudo o que disse hoje. Eu penetrarei em suas palavras, que contêm muita sabedoria. Mas por agora, por favor, permita-me perguntar uma questão simples. Ordinariamente, amor realmente contém elementos de discriminação, desejo e apego. De acordo com você, este tipo de amor cria preocupação, sofrimento e desespero. Como pode alguém amar sem desejo e apego? Como posso evitar criar preocupação e sofrimento no amor que sinto pelos meus filhos?”

O Buda respondeu, “Nós precisamos olhar para a verdadeira natureza de nosso amor. Nosso amor deveria trazer paz e felicidade aos que amamos. Se nosso amor é baseado em um desejo egoísta de possuir outros, não seremos capazes de levar até eles paz e felicidade. Ao contrário, nosso amor os fará se sentirem em uma armadilha. Tal amor não é mais que uma prisão. Se as pessoas que amamos são incapazes de serem felizes devido ao nosso amor, eles acharão uma maneira de se libertar. Não aceitarão a prisão do nosso amor. Gradualmente o amor entre nós se tornará raiva e ódio.”

“Majestade, você ouviu a tragédia que aconteceu dez dias atrás em Savatthi devido ao amor egoísta? A mãe sentiu que tinha sido abandonada pelo seu filho quando ele se apaixonou e casou. Ao invés de se sentir como se houvesse ganho uma filha, ela apenas sentiu que havia perdido seu filho e se sentiu traída por ele. Por isso, seu amor se tornou ódio e ela pos veneno na comida do jovem casal matando ambos.”

“Majestade, de acordo com o Caminho da Iluminação, amor não pode existir sem entendimento. Amor é Entendimento. Se você não pode entender, não pode amar. Maridos e esposas que não se entendem, não se amam. Irmãos e irmãs que não se entendem, não se amam. Pais e filhos que não podem se entender, não podem se amar. Se você quer que seus amados sejam felizes, você deve aprender a entender seus sofrimentos e suas aspirações. Quando você entende, saberá como aliviar seus sofrimentos e como ajudá-los a tornar realidade suas aspirações. Isto é verdadeiro amor. Se você quer apenas que seus amados sigam suas próprias idéias e ignora suas necessidades, não é um verdadeiro amor. É apenas desejo de possuir o outro e uma tentativa de atender às suas próprias necessidades, que não podem ser preenchidas deste modo.”

“Majestade, o povo de Kosala tem sofrimentos e aspirações. Se você não puder entender esses sofrimentos e aspirações, não será capaz de verdadeiramente amá-los. Todos os oficiais de sua corte têm sofrimentos e aspirações. Entenda esses sofrimentos e aspirações e descobrirá como ser capaz de dar-lhes felicidade. Graças a isto, eles se manterão leais a você por toda vida. A rainha, o príncipe e a princesa têm seus próprios sofrimentos e aspirações. Se você puder entendê-los, será capaz de trazer-lhes felicidade Quando cada pessoa desfruta de felicidade, paz e alegria, você mesmo conhecerá felicidade, paz e alegria. Este é o significado do amor de acordo com o Caminho da Iluminação.”

O rei Pasenadi estava profundamente emocionado. Nenhum outro mestre espiritual ou padre brâmane alguma vez abriu a porta de seu coração e permitiu a ele entender as coisas tão profundamente. A presença deste mestre, ele pensou, era de grande valor ao país. Ele queria ser um estudante do Buda. Depois de um momento de silêncio, ele olhou ao Buda e disse, “Eu te agradeço por jogar tanta luz sobre essas questões para mim. Mas há uma coisa que permanece ainda me aborrecendo. Você disse que o amor baseado no apego e desejo cria sofrimento e desespero, enquanto o amor baseado na compaixão traz apenas paz e felicidade. Mas ainda assim eu vejo que o amor baseado no caminho da compaixão mesmo não sendo egoísta ainda pode trazer dor e sofrimento. Eu amo meu povo. Quando eles sofrem devido a algum desastre natural como um tufão ou enchente, eu sofro também. Eu tenho certeza que se passa o mesmo com você. Certamente você sofre quando você vê alguém doente ou morrendo.”

“Sua questão é muito boa. Graças a esta pergunta você poderá entender mais profundamente a natureza da compaixão. Primeiramente, você deveria saber que o sofrimento causado por um amor baseado no desejo e no apego é milhares de vezes maior que o sofrimento que resulta da compaixão. É necessário distinguir entre os dois tipos de sofrimento – um que é inteiramente inútil e serve apenas para perturbar nossa mente e corpo e o outro que nutre a capacidade de cuidar e a responsabilidade. O amor baseado na compaixão pode prover a energia necessária para responder aos sofrimentos dos outros. O amor baseado no apego e desejo pode apenas criar ansiedade e mais sofrimento. Compaixão provê o combustível para ações que ajudam e para o serviço. Grande rei, compaixão é extremante necessária. A dor que resulta da compaixão pode ser uma dor útil. Se você não pode sentir a dor da outra pessoa, não é realmente humano.”

“Compaixão é o fruto do entendimento. Praticar o Caminho da Consciência é perceber a verdadeira face da vida. Esta verdadeira face é impermanência. Tudo é impermanente e sem um eu separado. Tudo deve um dia se extinguir. Um dia seu próprio corpo se extinguirá. Quando uma pessoa vê dentro da natureza impermanente de todas as coisas, seu modo de olhar se torna calmo e sereno. A presença da impermanência não perturba seu coração e mente. E, portanto os sentimentos de dor que resultam da compaixão não carregam a amarga e pesada natureza que outros tipos de sofrimento fazem. Pelo contrário, compaixão dá a pessoa grande força. Grande rei, hoje você ouviu algumas doutrinas básicas do Caminho da Libertação.”

(Do livro “Old Path White Clouds” sobre a vida do Buda – Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Tornar-se Iluminado






Ajaan Brahmavamso

Lá estava eu, em uma terra estranha,
tentando tanto,
abrindo mão de tanto – e para quê?
Não estava muito certo.

Quando era bem jovem, eu queria muito ser um maquinista. Meu avô havia levado meu irmão e a mim à Euston Station em Londres, local onde começou uma paixão por aqueles gigantes de aço pretos e verdes que sibilavam com tanta força. Não seria maravilhoso, eu sonhava, se um dia eu ...
Alguns anos depois eu queria desesperadamente me tornar iluminado. Havia lido sobre o assunto em livros. Para um jovem sonhador, a idéia de viver numa felicidade permanente e ao mesmo tempo salvar a humanidade exercia um apelo irresistível. Não seria maravilhoso, eu sonhava, se um dia eu ...
Quando ouvi pela primeira vez a história da iluminação do Buda, eu ainda estava a muitos copos de cerveja de distância de me tornar um monge. Eu era um estudante, e fazia muitas das atividades extravagantes que estudantes gostavam de fazer lá pelo final dos anos sessenta – e das quais se arrependeram nos anos setenta. Mas eu andei meditando mais ou menos – mais menos do que mais – por algum tempo, e comecei a perceber algumas mudanças inequívocas na minha vida diária. Um dia, assistindo a cerimônia de Vesak na Sociedade Budista local, enquanto o Venerável monge do Sri Lanka lia a história da iluminação, eu fiquei mais e mais inspirado e entusiasmado. Era especialmente agradável para mim a passagem na qual o futuro Buda, sentado ao pé da Figueira-dos-pagodes fez a resolução que sacudiu a terra:
Mesmo que meu sangue seque e meus ossos se tornem pó, não me moverei deste local até ter penetrado a Suprema e Completa Iluminação!
Uau! À medida que a história avançava, um pensamento começou a se solidificar na minha mente. Mal pude esperar pelo fim dos cânticos. Engoli impaciente uma xícara de chá, que na ocasião era nada menos que obrigatório, e corri de volta para meu quarto na faculdade. Já tinha ouvido muitas palestras sobre budismo, já tinha lido muitos livros sobre o assunto. Já tinha meditado por pelo menos um ano até aquele momento, pelo menos uma vez por semana, a maior parte das semanas. Se o Buda pôde, por que não eu?
Assim foi que eu, com a arrogância estúpida da juventude, um praticante novato que mal conseguia ficar sentado quieto por trinta minutos, decidi que era hora de tornar-me iluminado. É agora ou nunca, decidi. No dia seguinte eu fiz um teste. Tranquei a porta do quarto e sentei na almofada de meditação. Concentrei-me e pronunciei em um tom de voz baixo, claro e solene: Mesmo que meu sangue seque e meus ossos se tornem pó, não me moverei desta almofada até que eu, também, me torne iluminado.
Era isso. Chega de brincadeiras. Eu falava sério.
Quarenta minutos depois, estava em extrema agonia. Meu sangue estava tão liquido como sempre esteve e ainda não havia sinal de desintegração óssea, mas meus joelhos doíam pra danar! Mas o que me incomodava realmente era que já havia passado mais de meia hora e eu não tinha visto as luzes brilhantes e piscantes esperadas. Nem uma piscadinha que sugerisse eu estivesse chegando mais perto. Era muito deprimente e doloroso. Desisti. Levantei muito desapontado. Não ter me tornado iluminado estragou o dia.
Alguns anos mais tarde e um pouco mais de sensibilidade – embora só um pouco mais – eu estava no aeroporto de Londres sendo levado para a Tailândia por dois bhikkhus tailandeses. Estava indo para Bangkok para ser ordenado. Ainda lembro as palavras de despedida do sênior dos bhikkhus, então meu professor: “Por favor, volte quando se tornar iluminado”. Eu planejava ser um monge na Tailândia por dois anos no máximo. Contei para meus amigos e parentes que estaria de volta em dois verões. Afinal, dois anos inteiros como monge budista na Tailândia certamente era tempo suficiente, mesmo para aqueles de pouca inteligência, se tornarem iluminados. Quanto a mim, com um diploma universitário, não havia dúvida em minha mente de que voltaria para a Inglaterra em dois anos, iluminado. Resolvido esse problema, eu planejava casar e viver em uma comuna – claro, no País de Gales: havia pesquisado antes de partir.
Depois de dois anos de estrada, ficou claro que esse negócio de iluminação poderia não ser tão fácil. Por alguma razão, embora fosse um Ocidental com um diploma de uma renomada universidade, eu estava agindo de modo mais estúpido do que os monges tailandeses, que tinham apenas a quarta série de uma escola de vilarejo. Minha presunção estava sendo duramente golpeada. O estranho era que, mesmo não sendo ainda um iluminado, eu estava experimentando a paz, a simplicidade e a disciplina da vida monástica e não queria desistir. O que pretendia fazer na comuna no País de Gales havia perdido seu caráter sedutor.
Em meu quarto retiro das chuvas eu estava fazendo tudo que podia. Rumores haviam chegado à Tailândia de que a Chithurst House fora comprada, uma Sangha havia sido estabelecida na Inglaterra e eles precisavam de mais bhikkhus. Este seria um excelente momento para tornar-se iluminado. Eu estava em um monastério muito calmo. Minha prática meditativa estava bem estabelecida. Todos os sinais eram favoráveis. Então, aconteceu!
Praticando a meditação andando no final da tarde, minha mente calma depois de horas sentado, subitamente compreendi a causa de todos os problemas e meu coração imediatamente sentiu a alegria da libertação. Ao meu redor, tudo parecia brilhar. Todo meu ser se encheu de felicidade. Energia e clareza eram abundantes. Embora fosse tarde da noite, sentei em meditação, perfeitamente atento, perfeitamente quieto. Então deitei para descansar, e dormi assim levemente por algumas horas. Levantei às 3h da manhã e fui o primeiro a chegar ao salão de grama para a meditação matinal. Sentei até o nascer do sol sem o mínimo de esforço e sem sonolência. Era isso! Eu estava incrivelmente feliz por ser um iluminado. Pena que não durou muito.
O monastério no qual isso aconteceu era muito pobre e a comida muito tosca. Era o tipo de monastério do nordeste da Tailândia no qual você fica feliz de comer apenas uma refeição por dia – encarar tal provação duas vezes por dia seria insuportável! Porém, na manhã que se seguiu a minha experiência de “libertação”, a comida estava um pouco melhor. Junto com o rotineiro peixe podre com curry – que é feito de pequenos peixes cozidos que foram guardados sem muita higiene até estragarem – havia também uma caçarola de carne de porco com curry. Naquele dia, até mesmo o abade do monastério estava visivelmente incomodado com o odor do peixe cozido e pegou uma porção enorme do pote com carne de porco. Eu não me importei; era o segundo na fila e havia bastante lá para mim. Porém, não cheguei até a panela de porco. O abade derramou o que havia sobrado da caçarola de porco na panela do peixe podre, misturando tudo, dizendo que iria se misturar no estômago de qualquer maneira. Eu fiquei enfurecido! Que grande hipócrita! Se ele realmente pensava assim, Por que não misturou os cozidos antes de pegar sua parte? Olhei furiosamente para a caçarola que ele me entregou – pedaços emborrachados de peixe fedido nadando lado a lado com minha deliciosa carne de porco – minha única refeição da sorte arruinada. Oh! Aquele abade, como eu estava furioso com ele! Furioso!
Então, um pensamento me atingiu com força, ou melhor, me esmagou: talvez eu não estivesse iluminado. Seres iluminados não sentem raiva. Arahants não se importam se comem peixe pútrido ou um saboroso pedaço de carne de porco. Tinha que admitir que estava com raiva, logo, eu não era um iluminado. Que decepção. Completamente deprimido, despejei uma concha de peixe podre com porco em minha tigela. Estava demasiado desapontado para notar o sabor da comida naquele dia.
A despeito desses obstáculos vindos do Dhamma, como indigestão, (uma capacidade limitada para assimilar os ensinamentos), os anos que se seguiram como bhikkhu definitivamente produziram resultados tais como mais tranqüilidade, clareza e alegria. Eram os insights simples, aqueles que surgem sem alarde, que se mostravam mais efetivos. Meu desejo de ser um iluminado me parecia agora similar ao desejo infantil de ser maquinista de trem, ou minhas ambições posteriores de ser o primeiro astronauta inglês ... um jogador profissional de futebol ... um guitarrista numa banda de rock ... o melhor amante em todo o colégio (me sinto muito envergonhado em mencionar minhas outras aspirações). De certa forma, desejar ser um iluminado era ainda mais tolo. Pelo menos eu tinha alguma idéia do que era dirigir um trem. Quanto à iluminação, eu não tinha tanta certeza do que se tratava! E sempre que eu tentava descobrir, perguntando aos monges mais experientes, nunca conseguia uma resposta direta. Então, lá estava eu, num país muito estranho, comendo peixe podre e coisas muito piores, suportando mosquitos insaciáveis e um calor sem fim, fazendo tanto esforço, abrindo mão de tanto – e para quê? Eu não tinha muita certeza. Então, a única coisa racional a fazer era desistir de tentar ser um iluminado até que eu soubesse o que era a iluminação! Eu não queria desistir de ser um bhikkhu, isso eu entendia, fazia sentido. Eu precisava desistir de perseguir minhas fantasias, e minha idéia de iluminação era a mais grandiosa.
Depois que o insight acontece, raramente pensamos que agora somos sábios, pois ficamos subjugados pelo pensamento de quão estúpidos fomos. Como pude ser tão estúpido? Os textos sagrados budistas e tantos bons professores enfatizam que TORNAR-SE É SOFRIMENTO – tornar-se qualquer coisa. Tornar-se é o que o ego faz todos os dias. Tornar-se molda a identidade. Tornar-se é a “pele” que mantém coesa a bolha do eu. Pare com todo tornar-se e a ilusão se despedaça.
Foi assim que terminou o meu tornar-se iluminado. Agora a questão era QUEM é que deseja tornar-se iluminado, se é que havia alguém? Eu investiguei o não-eu, que é algo mais esclarecedor do que tentar tornar-se iluminado. Mas as pessoas ainda me perguntam, como fazem com outros bhikkhus, a questão fundamental: você é iluminado? Agora eu tenho uma resposta esplêndida, plagiada do falecido Venerável Ananda Mangala Mahanayakathera, (sei que ele não se importaria), que, excelente professor que era, deu a réplica perfeita para essa questão:

Não senhor! - Ele disse –
eu não sou iluminado,
mas sou altamente eliminado!

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Location:Jaraguá do Sul,Brazil

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Cronômetro do Cérebro




Benjamin Libet nasceu em 1916 e faleceu em 2007. Ele foi um dos cientistas pioneiros no campo da consciência humana com pesquisas no departamento de fisiologia da Universidade da Califórnia em São Francisco.
Na década de 1970 Benjamin Libet realizou estudos e descobertas empíricas sobre a relação entre eventos neurais e a consciência. Não foram conclusões baseadas em especulações teóricas mas baseadas em observações na prática. A questão que ele buscou responder foi onde e como surge a experiência consciente e de que forma isso difere das atividades mentais inconscientes. As suas descobertas foram surpreendentes, controvérsas a princípio, mas que têm sobrevivido a prova do tempo. A sua fama provém da descoberta que a decisão para agir ocorre no inconsciente muito antes de termos pensado em agir. Essa descoberta tem implicações profundas numa das principais questões filosóficas e psicológicas que é o livre-arbítrio.
Em 2004 foi publicado o livro "Mind Time" no qual Benjamin Libet relata os seus estudos e descobertas.
Para realizar os seus estudos Libet contou com a rara oportunidade de estudar pacientes submetidos a cirurgias do cérebro realizadas pelo seu colega de universidade o Dr. Bertram Feinstein. Para estudar o processo da consciência era necessário que os pacientes estivessem despertos e as cirurgias permitiam a colocação de eletrodos nas áreas do cérebro objeto de estudo. Todos esses estudos foram conduzidos com a concordância dos pacientes.
Na verdade, o trabalho inicial de pesquisa de Libet tinha a intenção de explorar qual seria o menor estímulo que daria origem a uma sensação consciente. É claro que o estímulo elétrico pode ser variado de diversas formas, mas ao longo das pesquisas surgiu um fato curioso: independente da voltagem das pulsações, o estímulo tinha que persistir por 500 milisegundos - meio segundo - até que o sujeito tomasse consciência do estímulo.
Na página 70 do livro "Mind Time" Libet descreve que o retardo entre o evento e a consciência desse evento tem várias implicações, sendo que a primeira é que a nossa consciência do mundo dos sentidos está sempre atrasada em meio segundo, ou seja aquilo que tomamos consciência já aconteceu faz meio segundo. Não estamos conscientes do momento presente. Estamos sempre um pouco atrasados. Outra implicação é que está bem estabelecido que a imagem relatada por um sujeito pode ser bastante diferente da imagem real mostrada para o sujeito. Não é que o sujeito está deliberadamente e conscientemente distorcendo o que está sendo relatado, ao invés disso ele parece acreditar que está relatando aquilo que viu. Isto é, a distorção do conteúdo parece ocorrer inconscientemente. Essa supressão do conteúdo da consciência, que foi inicialmente observada por Freud, pode ocorrer como forma de "proteger" o sujeito de uma experiência consciente desagradável. Em outras palavras, podemos ver apenas aquilo que queremos ver e não aquilo que realmente está presente.
Não é surpresa que ocorra algum retardo entre um evento e a consciência desse evento: de fato, se o processo normal de causa e efeito for aceito, o evento tem que anteceder a consciência à qual dará origem. Se fôssemos espectadores passivos do mundo, simplesmente observando tal como assistimos um filme, o constante retardo seria irrelevante - nunca perceberíamos que estamos sempre meio segundo atrás da realidade. Mas nós precisamos responder aos eventos e nesse caso o atraso é muito relevante e perceptível. Portanto a coisa realmente surpreendente foi a extensão do retardo que parecia estar acontecendo. Quinhentos milisegundos - meio segundo - é um período de tempo significativo e é evidente que os seres humanos com freqüência respondem aos eventos muito mais rápido do que isso. Se tivéssemos que esperar meio segundo antes de responder aos eventos, nunca seríamos capazes de jogar um bom jogo de tênis e seríamos motoristas perigosos, ou no mínimo cautelosos ao extremo.
Confrontado com esse problema, Libet decidiu que um elemento adicional era necessário nesse argumento: apesar de parecer improvável e contrário à nossa propria impressão, as nossas decisões devem ocorrer ligeiramente antes de tomarmos consciência delas.
Desenvolver um novo experimento para testar essa hipótese foi desafiador por duas razões. Primeiro, como determinar quando uma decisão foi tomada? No caso de uma percepção sabemos quando ocorre o estímulo e podemos identificar o sinal no cérebro, mas o único sintoma de uma decisão parece ser a ação resultante.
No entanto, um estudo conduzido em 1965 por Kornhuber e Deecke mostrou que quando os sujeitos eram solicitados a mover a mão no momento que quisessem, essa ação era precedida por uma carga elétrica mensurável no cérebro. Esse 'Readiness Potential', (Potencial de Prontidão), ou RP aparecia cerca de 800 milisegundos antes da ação e parecia ser uma clara indicação que a intenção de agir havia sido formada. Portanto parecia que o RP poderia ser usado experimentalmente como um indicador para a decisão.
O segundo problema era como medir o momento em que o sujeito tomava consciência de ter tomado a decisão. Se o sujeito tivesse que apertar um botão ou dar algum outro sinal, a cuidadosa cronometragem seria obscurecida pelo tempo necessário para fazer isso - o experimento estaria medindo dois movimentos com a mão e as suas respectivas decisões! A solução encontrada por Libet foi empregar um osciloscópio, (o experimento foi conduzido em 1977 nos dias em que não existiam PCs), para que os sujeitos identificassem a posição de um ponto na tela no momento em que decidissem mover a mão permitindo que a cronometragem fosse relatada com precisão.
Os resultados confirmaram a hipótese: o RP surgia 500 milisegundos antes dos sujeitos relatarem a consciência da decisão de movimentar a mão.
Esses experimentos solucionaram a questão sob o ponto de vista empírico: em termos filosóficos os problemas estavam apenas começando. A pesquisa, (que mais tarde foi repetida e corroborada por outros), parecia oferecer uma prova científica que o livre arbítrio era uma delusão. Como podemos nos considerar responsáveis por decisões das quais nem tínhamos consciência até depois que foram tomadas? Libet no entanto argumentou, sem no entanto apresentar nenhuma confirmação experimental, que apesar da decisão do sujeito ocorrer demasiado cedo para que possa ser iniciada pelo pensamento consciente, ainda haveria uma janela de oportunidade na qual a ação pode ser vetada pela consciência. De acordo com Libet essa janela dura não mais do que 100 milisegundos.
Na página 102 do seu livro Libet afirma que "há boas razões para acreditar que focar a atenção num determinado sinal sensorial pode ser o elemento para que a resposta a esse estímulo seja consciente." Em outras palavras o treinamento da atenção pode favorecer a resposta consciente aos estímulos dos sentidos e por conseqüência o livre-arbítrio.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Porque Deveríamos Meditar.

Segue um texto que ajudei a traduzir para comunidade Nalanda:




por Godwin Samararatne:
A palavra meditação vem da palavra pali ‘Bhavana’ que significa cultivar a mente, desenvolver a mente, cultura mental. Então a ênfase toda está na mente. Quando leem um texto buddhista, vocês ficam tão impressionados com a profunda e vasta declaração do Buddha sobre a mente humana. É impressionante que ele tenha feito esta afirmação há 2600 anos. Na verdade, psicólogos modernos, psicoterapeutas, também ficam profundamente inspirados pela declaração do Buddha sobre a mente humana.

Meditação: Conhecendo a Mente, Moldando a Mente, Libertando a Mente

A ideia de meditação foi expressa por um escritor nestes termos: conhecer a mente, moldar a mente, libertar a mente. Gosto de repetir as palavras: Meditação é conhecer a mente, moldar a mente, libertar a mente. Conhecer a mente é compreender como a mente trabalha. Se não conhecermos nossa mente, realmente seremos como máquinas. Por isso é extremamente importante conhecer, compreender, como a nossa mente trabalha, e quando conhecermos a nossa mente poderemos então moldá-la. Moldar a mente é desenvolver o domínio sobre a nossa mente, e se nós não desenvolvermos o domínio sobre a mente o que acontecerá é que nos tornaremos escravos de nossa própria mente. E quando nos tornamos escravos da nossa mente, pensamentos e emoções nos controlam, e isso resulta em mais e mais sofrimento. Portanto, é muito importante aprender a moldar a mente, e quando aprenderem a moldar a mente poderão alcançar uma mente que é livre. Então, a importância da meditação é aprender a alcançar uma mente que é livre, uma mente que é feliz, uma mente que é tranquila, uma mente que tem boa vontade.

Obtendo uma mente completamente saudável

São interessantes as coisas que fazemos para manter nosso corpo saudável. Alimentamo-nos, cuidamos da higiene, quando o corpo adoece procuramos um médico e tomamos remédios. Fazemos muitas coisas para manter o corpo saudável. Uma pergunta interessante é o que fazemos para manter nossa mente saudável. Vocês já pararam para pensar nessa importante questão? Nós temos de ter clareza sobre o que torna a nossa mente doente, o que não a deixa saudável. Quais são os sintomas das doenças humanas da mente? Então, meditação é aprender com elas e obter uma mente completamente saudável. Em algumas áreas em que a mente se torna doente, podemos considerar algumas emoções como contribuintes para a falta de saúde da mente humana. Gosto de mencionar algumas dessas emoções e tenho certeza que todos aqui podem se identificar com elas. Ansiedade, estresse, medo, insegurança, tristeza. Posso fazer uma longa lista que acredito, como disse, todos podemos nos identificar. Algumas vezes não percebemos que elas fazem nossa mente ficar doente. Se não sabemos que elas podem criar nossa doença, podemos continuar doentes e sem um meio para encontrar uma cura. Em uma de minhas palestras vou falar sobre emoções e vou mostrar a vocês como a meditação nos ajuda a trabalhar com as emoções. Quando eu falar sobre emoções, vou estar interessado em ouvir de vocês quais são as emoções que realmente incomodam nesse país. Então apresentarei alguns modos práticos de trabalhar com essas emoções desagradáveis e encontrar um meio de ficar livre delas.

O Gosto e a Expêriencia do Buddhismo

Outro aspecto muito importante da meditação, é que a meditação nos ajuda a experimentar as coisas que possam surgir. Há alguns que sabem muito bem o que o Buddha ensinou, por isso são muito bem informados sobre o Buddhismo, mas eles não experimentaram nada do Buddhismo porque não meditam. Eles são como pessoas que sabem sobre refeições, mas quase não provam a comida das refeições. Então meditação nos ajuda a provar isso, e quando vocês tiverem experimentado conseguirão uma espécie de gosto pela liberdade da mente. E quando saborearem isso, vocês realmente verão, por si mesmos, como podemos nos libertar.

Tornar-se Completamente Autoconfiante

Relacionado com isto há outro aspecto: é que a meditação ajuda a nos tornarmos completamente autoconfiantes. Quanto meditamos percebemos que temos que ser responsáveis pelo que ocorre na nossa mente. Algumas vezes defino meditação, pelas minhas próprias palavras, como sendo o medicamento para a doença que criamos em nós próprios. Assim, tal como criamos a doença em nós próprios, também temos que encontrar o medicamento. Quanto você está doente, e se quiser se curar, você não diz aos outros para tomarem o medicamento. O Buddha explicitou este aspecto de forma veemente: para ser autoconfiante, para confiar no nosso esforço próprio. O Buddha disse: o esforço próprio é o melhor esforço. E quando desenvolvemos auto esforço quando nos tornamos autoconfiantes, então o que ocorre é que aprendemos a ser completamente autoconfiantes sobre nós próprios. Quando temos esta autoconfiança e quando vemos por nós próprios que o medicamento está a ajudar, então isso leva a mais confiança no medicamento e ajuda-nos a desenvolver a fé, isto é, confiança na pessoa que desenvolveu o medicamento.

Até agora nesta palestra tenho falado de alguns benefícios, de alguns aspectos da meditação. E tenho tentado falar sobre a importância da meditação. Tenho tentado responder à questão: porque devemos meditar. Agora gostaria de fazer uma pausa e se houver perguntas sobre aquilo que tenho falado sobre meditação, podemos discuti-las. Por favor, coloquem questões. Quando ensino meditação às crianças, às vezes digo-lhes que a meditação é fazer perguntas e descobrir as respostas por nós próprios. Fazer perguntas como: “Por que ficamos com raiva? Como se gera o estresse?”. Assim, levantando tais questões e descobrindo uma resposta, a meditação pode ser vista como tentativa e erro, por isso, gostaria que vocês fizessem perguntas e que tentássemos encontrar nós próprios as respostas.

Perguntas & Respostas

Platéia: Durante a meditação e depois de meditarmos, tenho vontade de dormir. Quando adormeço, sinto algumas vibrações na cabeça, quase como se alguém me tivesse batido na cabeça, mas sem me atingir. O que se passa? Por que razão acontece?

Godwin: Quando meditamos, inúmeras coisas acontecem na nossa mente e no nosso corpo, por vezes muito, muito invulgares e estranhas. Por isso, o que é importante, o que estamos a aprender com a meditação é: seja o que estiver a acontecer na nossa mente e no nosso corpo, devemos apenas tomar consciência de que está a acontecer. E também aprender a aceitá-lo, aprendendo a não reagir a isso. Existem estágios diferentes na meditação, por isso vocês poderão estar a experienciar determinados estágios. Por vezes, encontrar uma razão poderá não ser necessariamente útil; será preferível, como digo frequentemente, aprender a olhar com carinho para o que acontece e encará-lo como experiências de aprendizagem, não o vendo, por isso, como problemas e dificuldades. Por isso o que gosto de sugerir é que, aconteça o que acontecer quando estamos a meditar, mesmo se por vezes for uma experiência desagradável, limitem-se a tomar consciência disso, de que é apenas uma sensação e apenas a aceitá-la, fazer amizade com ela e de seguida ela passará. Por isso gostaria que prosseguissem e talvez no domingo, com a programação diária, possamos ver se isso acontece ou não.

Platéia: Acho a sua colocação sobre como as crianças meditam muito interessante. Quero aprender algo mais sobre o ensinar meditação para crianças. Em primeiro lugar, eu pergunto: como é que as crianças aceitam o conceito de meditação e como elas praticam meditação? E a segunda pergunta é: você acaba de mencionar que a maneira de aprender a meditar é aprender a fazer perguntas e respondê-las, quando nos fazemos perguntas, o que estamos fazendo então?

Godwin: Então, a primeira pergunta é sobre o ensino de meditação para crianças. É muito interessante que tentar ensinar meditação para crianças me permitiu aprender com elas, porque elas têm mentes realmente simples e descomplicadas. É interessante para mim ver a diferença entre tentar ensinar meditação para crianças e para adultos. De certo modo, a meditação pode ser abordada como o desenvolvimento de uma mente-de-criança e do aprender a ver as coisas como se pela primeira vez, aprender a ser curioso sobre as coisas e ser muito honesto e verdadeiro sobre si mesmo. Assim, eu realmente gosto de estar com crianças e de tentar ensinar a elas a meditação. Então, respondendo à sua pergunta, eu nunca lhes digo que é meditação. Pergunto-lhes: agora gostariam de brincar com a nossa respiração? Como você sabe, crianças adoram brincar, então eu sugiro que brinquemos com a nossa respiração. Eu lhes digo: agora, por favor, vejam isso como um jogo legal. O jogo é: você pode se manter consciente da sua respiração a cada momento? E às vezes eu digo a elas para brincar de esconde-esconde. Às vezes você está com a respiração e às vezes você não está com a respiração. Aí, brincamos por 10 a 15 minutos e vemos o que acontece. E é tão inspirador para mim ver como elas se sentam completamente imóveis durante aqueles 10 ou 15 minutos, como parecem estar gostando, muito felizes e com rostos sorridentes e amigáveis. Quando vejo adultos meditando, vejo expressões diferentes em seus rostos. E o que me inspira ainda mais é quando eu lhes pergunto: você tem alguma dúvida, você tem algum problema, você tem alguma dificuldade, na maioria das vezes elas dizem que não. É algo interessante descobrir o que temos feito à nossa mente. É uma questão muito séria que devemos explorar. Na verdade, isto está verdadeiramente conectado com a meditação, relacionado com a meditação. Bom, esta foi a primeira pergunta e a segunda foi sobre o que mesmo?

[Depois de fazermos perguntas a nós mesmos, o que fazemos?] Boa pergunta. Veja o caso de Siddhattha que se tornou o Buddha. Você conhece a pergunta que veio à sua mente? Perguntas muito simples: Por que as pessoas morrem? Por que as pessoas envelhecem? Por que as pessoas adoecem? Por que as pessoas se tornam monges e monjas? Então, achando uma resposta para estas questões simples que ele havia se perguntado, ele acabou se tornando o Buddha. Eu darei outro exemplo. Newton, o cientista. Vocês sabem qual foi a pergunta que permitiu que ele descobrisse a profunda teoria científica? Por que as maçãs caem? Uma pergunta simples, mas terminou na elaboração de uma descoberta científica muito profunda e importante. Alguém disse que um gênio é aquele que tem continuamente a curiosidade de uma criança, e todos nós temos esta bela capacidade quando crianças, mas quando adultos perdemos este aspecto questionador. Então, em relação à meditação, fazer perguntas como: Por que eu fico com raiva? Quando vocês fazem esta pergunta e quando vocês tentam achar uma resposta, qual é a resposta que descobrem? Eu gostaria de ouvir de vocês a resposta.

Platéia: Meu amigo me deixa com raiva.

Godwin: É sempre a outra pessoa. Então o ponto é que meu amigo não está se comportando da maneira que eu quero que ele se comporte. Assim vocês vêm, a partir de uma simples pergunta, vocês descobrem que o problema não é com o meu amigo, mas comigo, por ter uma expectativa de como o meu amigo deveria ser. Como eu disse anteriormente sobre a meditação, vocês aprendem a assumir a responsabilidade pela raiva que sentem, e param de culpar os outros e começam a assumir a responsabilidade. E é assim que uma mudança, uma transformação pode ocorrer em nós mesmos a partir da única pergunta: por que eu fico com raiva? Estou feliz que vocês façam perguntas e espero que haja mais perguntas.

Platéia: Estou calmo agora, mas quando meus filhos tiram notas baixas na escola eu fico com raiva, embora eu os ame.

Godwin: Eu gosto dessas perguntas práticas. Penso que todos os pais podem se identificar com essa pergunta. Eu sei que certamente isso também ocorre no Sri Lanka. Então como a meditação ajuda em tal situação? Uma coisa que você disse é que agora você está calmo, então um ponto a ser lembrado é que nós não deveríamos ter a expectativa de estar sempre calmos. Podemos aprender com uma mente que está calma. Podemos também aprender com uma mente que não está calma. Se você espera estar sempre calmo, como aconteceu no seu caso, quando você não está calmo, você sofre. Você fica com raiva de si mesmo. Você está desapontado com consigo. Você se dá uma nota baixa. Então eu sugeriria que na situação em que você descreveu, quando você ficar com raiva, apenas saiba que você está com raiva. E amanhã eu falarei sobre a importância da prática da conscientização e da vigilância – um aspecto muito importante da meditação. Então a primeira sugestão que tenho a lhe oferecer é que você apenas se conscientize da raiva, porque se você está consciente da raiva e apenas fica com a raiva, você provavelmente não será capaz de expressar a raiva de forma violenta. Então apenas se conscientizar da raiva e não expressá-la nos permite desenvolver algum tipo de controle, domínio sobre nossa raiva, então esse é o primeiro ponto. A segunda sugestão é, ao ficar com isso depois de algum tempo, você pode se recuperar da raiva. E quando você se recuperar da raiva você faz a seguinte pergunta: por que eu fiquei com raiva do meu filho? Eu o amo tanto, e aqui estou ficando com raiva, talvez eu o esteja deixando com raiva. Então quando você explorar essa pergunta, você percebe, de certa forma, que o problema é que você tem uma expectativa de como seu filho deveria ser na sala de aula. Essas são expectativas razoáveis dos pais, mas descobrir o quanto essas expectativas são realistas é outra questão. Até que ponto meu filho é capaz de atender às minhas expectativas? Não deveria perguntar ao meu filho porque ele não está indo bem na escola? Isso é algo muito, muito importante porque com mais e mais meditação, nós aprendemos a tentar entender o comportamento de outras pessoas e tentar ver as coisas das suas perspectivas, ao invés de projetar nossas expectativas nos outros. Então se você pode falar com seu filho de forma gentil, amigável e compreensível: meu querido filho, quais são suas dificuldades na escola? Isso é algo muito importante que o Buddha enfatizou, ter uma amizade espiritual com todos aqueles com quem você tem de se relacionar. É muito importante para os pais terem esse tipo de relacionamento amistoso com seus filhos para que os filhos possam estar numa posição de dialogar com os pais honestamente, amigavelmente, sobre as dificuldades que possuam. Acho isso extremamente importante. Sei que no Sri Lanka algumas crianças estão completamente sozinhas, não há ninguém a quem elas possam recorrer, pois elas têm medo de falar honestamente com seus pais, têm medo de falar sobre suas dificuldades com os professores, então elas estão completamente perdidas e é muito triste quando as crianças não têm em quem confiar quando elas estão em situações difíceis. Então eu gosto de enfatizar e apontar que é muito importante nessa situação estabelecer uma conexão com a criança e então tentar entender o que ela está passando e isso seria algo bastante proveitoso, significativo, ao contrário de ficar com raiva. Penso que há tempo para mais uma pergunta.

Platéia: Temos pensamentos, desejos e sofrimento. É verdade que com a meditação se pode deixar de ter esses pensamentos, desejos e sofrimento?

Godwin: Não é assim tão fácil. É interessante que você mencionou os pensamentos. Eu sinto que é a área mais importante na mente humana, pois desde o momento em que acordamos até a hora em que vamos dormir, o que acontece? Há pensamentos passando continuamente pela nossa mente. Acho que todos aqui conseguem se identificar com isto. Aqui, quando estou falando, vocês têm seus próprios pensamentos passando pela mente. Costumo colocar esta questão: sobre o quê pensa você de manhã à noite? Alguém pode sugerir uma resposta? O que estamos pensando de manhã à noite, sem nunca parar. Então vocês percebem a importância de fazer perguntas simples. Sobre o quê pensamos?

Platéia: Na maior parte do tempo, pensamos sobre nós mesmos, o “eu” e o “meu”, todo tempo.

Godwin: Absolutamente correto, mesmo quando estamos pensando nos outros, eles sempre estão relacionados a você. Isto não é interessante? E a próxima pergunta é em relação a nós mesmos e os outros, o que fazemos com os nossos pensamentos? O que fazemos é julgar. E a maneira simples como descrevo isso é que damos pontos positivos e pontos negativos. Quando vocês se lembram de algo bom que fizeram, vocês se sentem felizes, e dão um ponto positivo, um grande mais. Quando nos lembramos de algumas coisas erradas que fizemos, algum erro que cometemos, algumas coisas ruins que fizemos, damos um grande menos. E fazemos o mesmo com relação aos outros. Às coisas ruins, erradas que outros fizeram, nós os damos pontos negativos. Boas coisas que outros fizeram, atribuímos pontos positivos. Então não é interessante que da manhã até a noite, nós nos tornamos professores dando notas positivas e negativas? Eu conheço algumas pessoas que vivem num inferno que elas criaram e, neste inferno, existem apenas pontos negativos. Elas pensam somente sobre seus erros, suas deficiências. E em relação aos outros, nós temos pensamentos similares, então, desta forma, podemos criar um inferno e podemos realmente sentir tristeza e viver em depressão, então é assim que criamos nosso próprio sofrimento com nossos pensamentos. E você percebe que há uma conexão entre pensamentos e emoções. Uma pergunta interessante a ser explorada é: o que vem primeiro, o pensamento ou a emoção? Vocês já descobriram a resposta? O que vem primeiro, o pensamento ou a emoção? Vocês percebem a importância da meditação? Sendo assim, eu discutirei essas coisas enquanto avançamos.

Voltando à questão do que podemos fazer é sobre isso que falarei amanhã – a importância da conscientização. Com conscientização, apenas observar os pensamentos que estão passando por nossa mente e apenas perceber como estamos usando pensamentos destrutivamente criando sofrimento para nós e sofrimento para os outros. Também podemos usar pensamentos criativamente. Falarei sobre isso mais adiante. E a pergunta que vocês fizeram sobre desejos, lá novamente vemos uma relação, conexão entre pensamentos e desejos. Como eu disse, esta é a importância da meditação. Por isso o Buddha deu tantas declarações importantes, muito muito profundas, sobre como a mente funciona. E através desse entendimento do uso da conscientização, vocês percebem como nós criamos nosso próprio sofrimento, nossos próprios problemas. Através dessa percepção nos libertamos do sofrimento e dos problemas, isso que é a meditação. Então iremos discutir essas questões importantes enquanto avançamos nos próximos dias...

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domingo, 2 de outubro de 2011

É só respirar.



Na sala vazia e silenciosa, dois monges zen, com seus mantos e cabeças raspadas, estão sentados no chão, lado a lado, pernas cruzadas. Depois de alguns instantes, o mais jovem lança um olhar surpreso e irônico para o mestre. Sereno, o velho monge comenta: “É só isso, mesmo. Não vai acontecer mais nada”. Não se trata de uma cena real. É só uma charge publicada na renomada revista americana The New Yorker, brincando com o novo hábito americano de meditar regularmente, como fazem os orientais há milhares de anos. A fina ironia da charge, no entanto, tem a ver com a realidade. Embora singela, a atitude de sentar sobre uma almofada (ficar em posição de lótus exige um preparo de monge) e ficar atento à própria respiração é tão fora de propósito em nossa rotina atabalhoada que é fácil se identificar com o jovem monge, perplexo e irônico, ao encará-la pela primeira vez. Comigo não foi diferente.
Na primeira vez em que me detive a acompanhar o compasso da respiração, o sentimento inicial foi de surpresa. Espantei-me pela rapidez com que tudo caminhou para a inatividade. O turbilhão de pensamentos que ocupava minha mente (uma conta para pagar, uma cena do filme que vi no dia anterior, uma ótima piada para contar aos amigos) foi desaparecendo sem que eu me desse conta. O incômodo da perna dormente, pressionada pela flexão, logo foi substituído por um inesperado prazer, prazer de simplesmente respirar. Então, de repente, foi como se tudo houvesse parado nos primeiros segundos depois de acordar, aqueles instantes em que você se sente presente e alerta, mas com a cabeça vazia. Enfim, aqueles poucos segundos do dia em que nada acontece.
Foi então que tudo ficou meio irônico: o êxtase, o delicioso estranhamento que entupiu meus sentimentos, acabou em um segundo! E no instante seguinte todos os pensamentos voltaram: a conta, o filme, a piada e mais um monte de coisas. Rindo comigo mesmo, me perguntei – talvez como um jovem monge perplexo e desconfiado – se não haveria algo mais divertido para fazer naquele instante. Mas logo me peguei novamente de olhos fechados.
Quer dizer que meditar é só parar e não pensar em nada? É. Como afirmam os especialistas, é um não-fazer. Mas, acredite, não é fácil. Não para ocidentais como eu e você, acostumados com a idéia de que, para resolver um assunto, o primeiro passo é pensar bastante nele. Na meditação, a idéia é exatamente o oposto: parar de pensar, por mais bizarro que isso pareça.
A novidade é que, mesmo parecendo alienígena, a meditação conquista cada vez mais adeptos no Ocidente. Dez milhões de americanos meditam regularmente em casa e em hospitais, escolas, empresas, aeroportos e até em quiosques de internet. Entre os milhões de meditadores americanos estão celebridades de grosso calibre, como o dirigente da Ford, Bill Ford, e o ex-vice-presidente Al Gore. No Brasil, a exemplo da Hollywood dos anos 90, a meditação entrou para a rotina de estrelas – como a atriz Christiani Torloni e a apresentadora Angélica, que recorreu à prática para livrar-se de uma crise de síndrome do pânico – e virou ferramenta diária de produtividade em empresas e até em alguns círculos do poder. O prefeito de Recife, João Paulo, por exemplo, só inicia o expediente após meditar por alguns minutos.
Mas como é que algo assim, na contramão do pragmatismo moderno, consegue empolgar tanta gente? Como pode haver gente capaz de pagar caro para participar de sessões de meditação – ou seja, para ficar sentado em silêncio em uma sala quase sem móveis?
Sem dúvida há muita gente desiludida com o modo de vida ocidental (a destruição do meio ambiente, a vida cada vez mais solitária das grandes cidades e a competição pelo ganha-pão). Mas esse contingente não é capaz de explicar, sozinho, a explosão da meditação. A verdade é que a ciência resolveu se debruçar sobre os efeitos dessa prática, e as notícias dos laboratórios de pesquisa cada vez convencem mais pessoas a relaxar em posição de lótus.
O principal resultado dessas pesquisas pode ser resumido em duas palavras: meditação funciona. Ou seja, por mais estranho que pareça aos ratos de academia que se esfalfam em exercícios para melhorar a capacidade cardiorrespiratória, não fazer nada por alguns minutos diariamente tem efeitos palpáveis, reais e mensuráveis no corpo. E o melhor: só apareceram efeitos positivos (pelo menos até agora). Ou seja, aquilo que os adeptos da tradicional medicina chinesa e os mestres budistas viviam repetindo (com um sorriso bondoso no rosto) começa a ser comprovado por alguns renomados centros de pesquisa ocidentais, como as universidades Harvard, Columbia, Stanford e Massachusetts, nos Estados Unidos, e pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Brasil.
É difícil listar as descobertas porque as pesquisas sobre a meditação alcançaram a maioridade recentemente. Mais precisamente no ano 2000, quando o líder do budismo tibetano, o Dalai Lama (sempre ele), encontrou-se com um grupo de psicólogos e neurologistas na Índia e sugeriu que os cientistas estudassem um time de craques em meditação durante o transe, para ver o que ocorria com seus corpos. Os cientistas abraçaram o desafio e, desde então, as pesquisas não param de produzir surpresas. Já se sabe, por exemplo, que meditar afeta, de fato, as ondas cerebrais. Sabe-se também que isso tem efeitos positivos sobre o sistema imunológico, reduz a tensão e alivia a dor. “Três décadas de pesquisas mostraram que a meditação é um bom antídoto ao estresse”, diz o jornalista e psicólogo americano Daniel Goleman, autor dos livros Inteligência Emocional e Como Lidar com as Emoções Destrutivas, este o relato do encontro dos cientistas com o Dalai Lama.
“Agora, o que está mira dos pesquisadores é saber como a meditação pode treinar a mente e reformatar o cérebro”, afirma Daniel.
A piada dos dois monges, lá no início desta reportagem, não é gratuita. Afinal, faz séculos que se pratica meditação no Oriente, por recomendação religiosa (veja quadro sobre as meditações religiosas na página 62). O detalhe é que agora a orientação também é médica. Nos anos 70, quando a prática começou a se espalhar pelo Ocidente, impulsionada pelo movimento hippie, o cantor e compositor brasileiro Walter Franco cantava que tudo era uma questão de “manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo”. Hoje, os versos de Walter poderiam fazer parte de uma receita médica, de um treinamento em uma grande empresa ou até mesmo de um programa para a recuperação de presos.
“Focalizar a atenção no mundo interior, como se faz na meditação, é uma situação terapêutica”, diz o psicólogo José Roberto Leite, coordenador do instituto de medicina comportamental da Unifesp. “Queremos avaliar o alcance dessa prática e isolá-la de seu aspecto supersticioso.” Por trás dessa intenção está o fato de que as causas de doenças mudaram muito nos últimos 100 anos. No passado, os males eram causados principalmente por microorganismos. As pessoas morriam de poliomielite, de sarampo, de varíola e outras doenças causadas por bactérias e vírus. Mas isso mudou, graças às melhorias em saneamento e à criação de antibióticos e vacinas. “Hoje, a maioria das doenças é causada por coisas como hipertensão, obesidade e dependência química, que estão ligadas a padrões inadequados de comportamento”, diz José Roberto. Ou seja, o que mata hoje são os maus hábitos.
E são esses maus hábitos que se pretende combater pela meditação, também conhecida pelo pomposo nome de “prática contemplativa”. Apaziguar a mente, os cientistas estão descobrindo agora, pode reduzir o nível de ansiedade e corrigir comportamentos pouco saudáveis. O cardiologista Herbert Benson, da Universidade Harvard, um dos maiores pesquisadores da meditação e do poder das crenças na promoção da saúde, chega a estimar em seu livro Medicina Espiritual que 60% das consultas médicas poderiam ser evitadas se as pessoas apenas usassem a mente para combater as tensões causadoras de complicações físicas.
Mas, afinal, como é que se medita e o que acontece durante a prática contemplativa? Bem, há um leque de modalidades para quem deseja meditar, mas a receita básica é a mesma: concentração. Vale concentrar-se na respiração, uma imagem (um ponto ou uma imagem de santo), um som ou na repetição de uma palavra (o famoso mantra, como “ohmmm”, por exemplo). Parar de pensar equivale a ficar quase que exclusivamente no presente. Faz sentido. Os pensamentos são feitos basicamente de duas substâncias: as idéias e experiências que ouvimos, vivemos ou aprendemos no passado e os planos e apreensões que temos para o futuro. É naqueles raros momentos em que o meditador consegue livrar-se desses ruídos que surgem os sentimentos comuns nas descrições de iogues famosos: sensação de estar ligado com o Universo ou ter uma superconsciência do mundo. Meditar é, portanto, concentrar-se em cada vez menos coisas, inibindo os sentidos e esvaziando a mente. Tudo isso sem perder o estado de alerta, ou seja, sem dormir.
Mas como saber se deu certo? Como saber se você meditou? Essa é a melhor parte da história: não há nota ou avaliação. A não ser que você medite plugado em um aparelho de eletroencefalograma para saber se suas ondas cerebrais se alteraram. Como isso é pouco prático, a melhor medida para seu desempenho é você mesmo. Só você pode dizer o que sentiu e se foi bom.
BIOLOGIA DO ZEN
Os efeitos da meditação sobre o corpo são surpreendentes. Nos primeiros estudos sobre a meditação, na década de 60, o cardiologista Benson, de Harvard, e outros pesquisadores submeteram meditadores a experimentos nos quais a pressão arterial, os ritmos cerebrais e cardíacos e mesmo a temperatura da pele e do reto eram monitorados. Constatou-se então que, enquanto meditavam, eles consumiam 17% menos oxigênio e seu ritmo cardíaco caía para incríveis três batimentos por minuto (a média para pessoas em repouso é de 60 b.p.m.). Isso acontecia quando as ondas cerebrais alcançavam o ritmo teta, mais lento e poderoso, no qual a mente atingiria o estado de “superconsciência” relatado pelos iogues e caracterizado por insights e alegria.
As ondas teta vibram a apenas quatro ciclos por segundo. Para se ter uma idéia, quando estamos ativos o cérebro emite ondas beta, de oscilação em torno de 13 ciclos por segundo. Você conhece essa sensação causada pelas ondas teta. É aquele embotamento dos sentidos que surge nos segundos que antecedem o sono. Naquele momento, nosso cérebro funciona no ritmo teta. Mas os meditadores pesquisados não estavam dormindo. Ao contrário, estavam bem acordados e serenos.
Mais tarde, percebeu-se também que no momento da meditação o fluxo sanguíneo diminuía em quase todas as áreas cerebrais, mas aumentava na região do sistema límbico, o chamado “cérebro emocional”, responsável pelas emoções, a memória e os ritmos do coração, da respiração e do metabolismo. O cardiologista Benson, que escreveu um clássico sobre o tema nos anos 90 – A Resposta do Relaxamento – , tomou emprestado um pouco da humildade oriental e disse que seu trabalho se resumiu a explicar biologicamente técnicas conhecidas há milênios.
Desde então, uma série de novas pesquisas, respaldadas em imagens da intimidade neurológica feitas por tomógrafos sofisticados que retratam o cérebro em funcionamento, levantou o véu sobre outros segredos. Um dos estudos mais abrangentes e reveladores foi realizado por Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. A idéia era registrar o que ocorre com o cérebro quando se alcança o clímax em práticas místicas como a meditação e a oração. Newberg rastreou a atividade cerebral de um grupo de budistas em meditação profunda e de um grupo de freiras franciscanas rezando fervorosamente.
Ele constatou uma significativa alteração no lobo parietal superior, localizado na parte anterior do cérebro e responsável pelo senso de orientação – a capacidade de percepção do espaço e do tempo e da própria individualidade. Segundo as descobertas de Newberg, à medida que a contemplação se torna mais profunda, a atividade na região diminui aos poucos até cessar totalmente no momento de pico, aquele em que o meditador experimenta a sensação de unicidade com o Universo, cerca de uma hora após o início da concentração. Nesse instante, privados de impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal desligam os mecanismos das funções visuais e motoras e o meditador ou devoto perde a noção do “eu” e sente-se prazerosamente expandido, além de qualquer limite. É o nirvana. Ou seja, Newberg registrou em seus aparelhos a imagem de um cérebro literalmente no paraíso.
Mas não é só isso. As imagens revelaram que, durante a experiência, os lobos temporais (sede das emoções no cérebro) tiveram sua atividade redobrada, o que explicaria a enorme influência da meditação sobre as emoções e a personalidade dos praticantes. Newberg não teve dúvida em sua conclusão: as sensações de elevação e contato com o divino vivenciadas por budistas e freiras são um fenômeno real, baseado em fatos biológicos.
Mas há quem veja tudo isso com uma certa desconfiança. “Ao que parece, estamos diante de um fenômeno de marketing”, disse Richard Sloan, psicólogo do Centro Médico Presbiteriano de Columbia, em Nova York, comentando o encontro do Dalai com os cientistas, há três anos. Segundo Richard, é discutível se o impacto da meditação sobre o sistema nervoso e a saúde tem um efeito profundo e duradouro ou apenas superficial e efêmero. Então, está na hora de conferir o que os estudos dizem a respeito.
MENTE QUIETA, CORPO SAUDÁVEL
A meditação ajuda a controlar a ansiedade e a aliviar a dor? Ao que tudo indica, sim. Nessas duas áreas os cientistas encontraram as maiores evidências da ação terapêutica da meditação, medida em dezenas de pesquisas. Nos últimos 24 anos, só a Clínica de Redução do Estresse da Universidade de Massachusetts monitorou 14 mil portadores de câncer, aids, dor crônica e complicações gástricas. Os técnicos descobriram que, submetidos a sessões de meditação que alteraram o foco de sua atenção, os pacientes reduziram o nível de ansiedade e diminuíram ou abandonaram o uso de analgésicos. Ou seja, eles aprenderam a entender a dor, em vez de combatê-la. Com isso, deixaram de antecipá-la ou amplificá-la por meio do medo de vir a senti-la. Sim, porque boa parte da sensação dolorosa é psicológica, fabricada pelo medo da dor. Resultado: as queixas de dor, segundo o diretor da clínica, Jon Kabat-Zinn, diminuíram, em média, 40%.
No hospital da Unifesp, em São Paulo, a meditação é indicada para pacientes com fibromialgia (dores nos músculos e articulações), fobias e compulsões. Ali, estudo recente dirigido pela doutora em biologia Elisa Harumi Kozasa atestou a melhoria da agilidade mental e motora em ansiosos e deprimidos que, durante três meses, meditaram sob a orientação de instrutores indianos. Outra pesquisa, coordenada pelas psicólogas Márcia Marchiori e Elaine de Siqueira Sales, deve comparar nos próximos meses os efeitos terapêuticos da meditação com os das técnicas de relaxamento físico.
O desempenho antiestresse da meditação, segundo estudos das universidades americanas Stanford e Columbia, acontece porque a mente aquietada inibe a produção de adrenalina e cortisol – hormônios secretados nas situações de estresse – , ao mesmo tempo que estimula no cérebro a produção de endorfinas, um tranqüilizante e analgésico natural tão poderoso quanto a morfina e responsável pela sensação de leveza nos momentos de alegria.
Já parece motivo suficiente para render-se aos mantras, mas tem mais. Investigações realizadas na Universidade Wisconsin, nos Estados Unidos, acrescentaram que meditar também melhora a ação do sistema imunológico, que defende o organismo contra o ataque de microorganismos (bactérias, vírus e outros germes). A experiência comparou dois grupos de voluntários – um constituído de pessoas que meditavam havia alguns meses e o outro de não-meditadores. Primeiro constatou-se que os meditadores tiveram um aumento na atividade da área cerebral relacionada às emoções positivas. Então, ambos os grupos foram vacinados contra gripe e submetidos a medições quatro semanas e oito semanas depois. O pessoal habituado a entoar mantras apresentou um número bem maior de anticorpos, o que sugere que seus sistemas de defesa estavam mais ativos.
Em abril passado, durante um encontro da Associação Americana de Urologia, anunciou-se que a meditação ajuda a conter o câncer da próstata. E alguns pesquisadores relataram que mulheres com câncer de mama que passaram a meditar tiveram elevação no nível de células imunológicas que combatem tumores. Mas essas descobertas estão longe de alcançar a unanimidade entre os cientistas. O psiquiatra americano Stephen Barret, um dos principais críticos às terapias alternativas nos Estados Unidos, desconfia desses resultados. “Meditar pode aliviar o estresse, mas sua ação nunca irá além disso no tratamento de doenças graves, como o câncer.” Mesmo um entusiasta da técnica, como Herbert Benson, não descarta os tratamentos ocidentais tradicionais. Para ele, a saúde e a longevidade no mundo moderno serão, cada vez mais, resultado de um tripé formado por remédios, cirurgias e cuidados pessoais, incluindo-se aqui a meditação e todo o poder catalisador das crenças nas reações orgânicas.
O CÉREBRO REPROGRAMADO
Mas ainda há muita coisa para ser descoberta sobre o mantra e os pesquisadores estão debruçados sobre os meditadores, tentando entender como é que um ato tão simples causa tantas modificações. Estudos como o de Wisconsin, que ligam disciplina mental a emoções positivas e ao bom desempenho do sistema imunológico, atiçam o interesse dos cientistas em avaliar o real poder da meditação na reformatação das funções cerebrais. E o que eles estão descobrindo é que, com suficiente prática, os neurônios podem reprogramar a atividade dos lobos cerebrais, especialmente a área relacionada à concentração e à orientação.
Não dá para negar que, sobre concentração, o Dalai Lama e os orientais, com sua atenção aos detalhes e sua atenção extrema, têm muito a ensinar aos ocidentais. “Só há pouco a psiquiatria ocidental reconheceu a existência do transtorno do déficit de atenção (uma síndrome caracterizada pela dificuldade de concentração, baixa tolerância à frustração e impulsividade), mas há milhares de anos tradições como o budismo afirmam que todos sofremos desse distúrbio com mais ou menos intensidade”, diz o psiquiatra Roger Walsh, da Universidade da Califórnia em Irvine.
A possibilidade de alterar em profundidade o cérebro, apenas meditando, talvez possa no futuro ajudar a prevenir ou a superar complicações vasculares a custo bem mais baixo que o das cirurgias. Ou a romper condicionamentos e redirecionar as mentes de indivíduos anti-sociais – o que, aliás, vem sendo testado com relativo êxito. Numa experiência na Kings County North Rehabilitation Facility, penitenciária próxima a Seattle, nos Estados Unidos, um grupo de prisioneiros condenados por crimes relacionados ao consumo de droga e álcool praticou vippassana (meditação budista com foco inicial na respiração, seguida de análise existencial) 11 horas por dia durante dez dias. Após voltarem para casa, apenas 56% deles reincidiram na criminalidade no prazo de dois anos, um índice considerado bom comparado aos 75% de reincidência entre os que não meditaram.
Já na Universidade Cambridge, nos Estados Unidos, um estudo constatou a redução de até 50% nas recaídas de pacientes com depressão crônica que passaram a meditar regularmente. A doença é acompanhada por uma diminuição no nível do serotonina no cérebro, processo geralmente revertido com o uso de antidepressivos, como Prozac. A meditação aumenta a produção desse neurotransmissor, funcionando como um antidepressivo natural. Em Cotia, em São Paulo, um programa de meditação para crianças carentes, conduzido pela monja Sinceridade no Templo Zu Lai (sede da primeira universidade budista do país), tem resultado em mudanças no comportamento de 128 meninos de favelas. “Eles melhoraram significativamente a concentração. E a convivência social com eles tornou-se mais tranqüila”, diz ela.
FAST FOOD MENTAL?
Toda essa popularidade, porém, não permite afirmar que a meditação continuará mantendo alguma identidade com a prática ancestral do Oriente. Além de sua gradual transformação em técnica laica, ocorre neste momento uma rápida adaptação do modo de usá-la ao estilo de vida ocidental.
Em vez de contemplações que duram uma eternidade (você aí teria pique para ficar quatro horas sentado no chão, imóvel, como faz diariamente o Dalai Lama?), tornou-se padrão a meditação de 20 minutos duas vezes ao dia. Ainda assim, isso parece exigir uma boa dose de sacrifício de inquietos habitantes de metrópoles como Nova York e São Paulo. No próximo ano, o autor Victor Davich lançará nos Estados Unidos o livro Eight Minutes that Will Change your Life (“Oito Minutos que Mudarão sua Vida”) no qual defenderá um tipo de meditação “fast food” de não mais que oito minutos. Segundo ele, esse é o tempo que os americanos estão acostumados a se concentrar diariamente: os blocos de programas de TV duram exatamente isso, entre um comercial e outro. Da mesma forma, os mantras sonoros em sânscrito das meditações místicas foram substituídos por mantras mentais, baseados em palavras escolhidas ao acaso.
Tais ajustes são vistos com reservas por iogues, praticantes tradicionalistas e até instrutores mais liberais, como a americana Susan Andrews, para quem é saudável tirar a meditação “das nuvens do esoterismo” e aproximá-la da ciência. “Relaxamento e pensamento positivo são efeitos colaterais da meditação, não sua meta”, diz Susan. “O grande alvo é atingir a hiperconsciência, o samadhi, aquele estado de plenitude, iluminação e êxtase indescritível.” A questão é que para chegar lá o meditador precisa deixar de lado a idéia de que meditar não implica qualquer esforço, cuidando de manter a concentração firme e afinada por pelo menos uma hora. E isso, admitamos, é algo que também exige um preparo de monge.

Passo a passo
Há vários maneiras de meditar, mas a regra básica é a mesma: atenção
Sentado
No chão ou em uma cadeira, mantenha a coluna ereta e concentre-se nos movimentos da respiração, observando a entrada e a saída do ar pelas narinas. Se preferir, concentre-se num mantra, que pode ser qualquer palavra, uma frase ou apenas um murmúrio. Repita seu mantra a cada expiração. Fechar os olhos pode ajudar. Se ficar de olhos abertos, concentre o olhar em um ponto.
Em pé
Posicione-se junto a uma fileira de árvores e tente se sentir como uma delas. Concentre-se na respiração e imagine seus pés desenvolvendo raízes no chão.
Caminhando
É uma boa saída para quem, por algum motivo, não consegue ficar imóvel. O segredo é focar as pisadas, vendo-as como um todo ou como segmentos do movimento, que pode ser lento ou acelerado. Melhor caminhar em círculo, sem a expectativa de um ponto de chegada.
Visualização
Crie uma imagem significativa para você – pode ser um símbolo religioso ou uma paisagem – e concentre-se nela.

Entre o céu e os neurônios
Meditação não é coisa só de budistas. Várias religiões têm sua versão dessa prática
Hinduísmo
Textos sagrados do período védico, entre 2000 e 3000 a.C., fazem referências a mantras e contemplações. A meditação é uma das principais práticas do conjunto de escolas religiosas da Índia conhecido como hinduísmo.
Budismo
Foi meditando debaixo de uma figueira que o príncipe Sidarta Gautama alcançou a iluminação, por volta de 588 a.C., tornando-se o Buda. Prática fundamental no budismo, a meditação é vista, sobretudo, como um método de examinar a realidade pessoal e eliminar condicionamentos.
Cristianismo
Os chamados padres do deserto, da região de Alexandria, no Egito, é que consolidaram a meditação como hábito cristão no século 4. A prática, disseminada nos monastérios, desde o século passado vem sendo adotada por cristãos leigos.
Judaísmo
Os praticantes da Cabala, tradição esotérica judaica, difundiram a meditação entre seus adeptos na Europa, por volta do ano 1000, como uma forma de entrar em comunhão com Deus.
Islamismo
Também por volta do ano 1000, os sufis, que constituem o segmento místico dos muçulmanos, incorporaram a meditação aos seus rituais, os quais incluem o êxtase místico por meio da dança.
Independentes
Em 1967, um encontro dos Beatles com o guru Maharishi Mahesh Yogi iniciou a expansão da meditação transcendental no Ocidente e o florescimento de uma infinidade de gurus e técnicas meditativas que, desde então, atraem adeptos em toda parte.

Para saber mais
Na livraria
A Mente Alerta, Jon Kabat-Zinn, Objetiva, Rio de Janeiro, 2001
...

Fonte:
http://super.abril.com.br/ciencia/so-respirar-444172.shtml


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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Os Cinco Obstáculos Mentais e Sua Superação. Parte 1





Apartir de hoje estarei postando partes do texto "os Cinco Obstáculos Mentais e a Sua Superação".

Textos selecionados do Cânone em Pali e dos comentários.
Compilado e traduzido por Nyanaponika Thera

A inabalável libertação da mente é a suprema meta na doutrina do Buda. Aqui, libertação significa: a libertação da mente de todas as limitações, amarras e laços que a amarram à Roda do Sofrimento, ao Ciclo de Renascimentos. Isso significa: limpar a mente de todas as impurezas; remover todos os obstáculos que barram seu progresso da consciência mundana (lokiya) para a supramundana (lokuttara-citta), isto é, para o estado de Arahant.
São muitos os obstáculos que bloqueiam o progresso no caminho espiritual, mas existem cinco em particular, conhecidos pelo termo pali nivarana, que são mencionados frequentemente nos textos Budistas:

1. Desejo sensual (kamacchanda),
2. Má-vontade (byapada),
3. Preguiça e torpor (thina-middha),
4. Inquietação e ansiedade (uddhacca-kukkucca),
5. Dúvida (vicikiccha).

Eles são chamados de "obstáculos" porque bloqueiam e envolvem a mente de várias formas, obstruindo seu desenvolvimento (bhavana). De acordo com os ensinamentos Budistas, o desenvolvimento espiritual é duplo: através da tranquilidade (samatha-bhavana) e através do insight (vipassana-bhavana). A tranquilidade é ganha através da completa concentração da mente durante os estados de absorção meditativa (jhana). Para alcançar tais estados, a superação dos cinco obstáculos, pelo menos temporariamente, é uma condição preliminar. É justamente nesse contexto de se atingir os jhanas que o Buda menciona os cinco obstáculos em seus discursos.

Há cinco fatores mentais constituintes que são os principais representantes do primeiro jhana, chamados portanto de fatores de absorção (jhananga). De acordo com os comentários, cada um dos cinco obstáculos é especificamente prejudicial a um desses fatores, impedindo seu desenvolvimento e refinamento requerido para os jhanas; por outro lado, o cultivo desses fatores além do nível comum funciona como um antídoto contra os obstáculos, preparando o caminho para os jhanas. Nesse texto é indicada a relação entre esses dois grupos de cinco na seção com o título do obstáculo correspondente.
Não somente os jhanas, mas também os níveis menores de concentração mental são bloqueados pelos cinco obstáculos. Portanto a concentração de "acesso" ou "vizinhança" (upacarasamadhi), é um estágio preliminar para a total absorção (appana) que ocorre nos jhanas. A concentração momentânea (khanikasamadhi) também está afastada da presença dos obstáculos. Além desses estados superiores de desenvolvimento mental, qualquer tentativa sincera de se ter visão clara e um modo de vida puro será seriamente afetada pela presença dos cinco obstáculos.
Essa influência generalizada e danosa dos cinco obstáculos revela uma necessidade urgente de se diminuir o poder deles através de esforços contínuos. Ninguém deve acreditar que é suficiente prestar atenção nos obstáculos somente durante os momentos em que se está sentado para meditação. Esse esforço de última hora para suprimir os obstáculos raramente terá êxito a não ser que seja auxiliado pela dedicação prévia durante a vida diária.

Alguém que aspire sinceramente à inabalável libertação da mente deveria, portanto, escolher uma "base de trabalho" com importância direta e prática: um kammatthana no seu sentido mais amplo, em que está baseada toda a estrutura de sua vida. Agarrar-se a essa "base de trabalho", nunca perdê-la de vista por muito tempo, isso, por si só, já será um progresso considerável e encorajador no controle e desenvolvimento da mente, porque dessa forma, as forças direcionadoras da mente serão consideravelmente fortalecidas. Alguém que escolheu a superação dos cinco obstáculos como "base de trabalho" deveria examinar qual dos cinco é o mais forte no seu caso pessoal. Então essa pessoa deve observar cuidadosamente como, e em que ocasiões, eles geralmente aparecem. Essa pessoa também deve, posteriormente, conhecer os estados mentais benéficos que permitem que cada um desses obstáculos possa ser afastado e, finalmente superado; também deve-se examinar a própria vida em busca de oportunidades para desenvolver essas qualidades, que, nas páginas seguintes, foram indicadas sob as faculdades espirituais (indriya), os fatores de absorção (jhananga) e os fatores da iluminação (bojjhanga). Em alguns casos foram adicionados temas de meditação, o que irá ajudar na superação dos respectivos obstáculos.
Entretanto, para um "mundano" (puthujjana), somente uma suspensão temporária e enfraquecimento parcial dos obstáculos pode ser alcançado. A final e completa erradicação só ocorre ao se alcançar os estágios do despertar (ariyamagga).

- A dúvida é eliminada no primeiro estágio, o caminho de entrada na correnteza (sotapatti-magga).
- O desejo sensual, a má-vontade e a ansiedade são eliminados no terceiro estágio, o caminho de não-retorno (anagami-magga).
- A preguiça, o torpor e a inquietação são eliminadas no caminho de Arahant (arahatta-magga).

A recompensa da batalha contra os obstáculos não é somente limitada a tornar possível uma concentração meditativa mais superficial ou profunda, mas também, todo passo dado no enfraquecimento desses obstáculos nos leva para mais perto dos estágios do despertar, onde a superação dos obstáculos é inabalável.
Apesar da maior parte dos textos que seguem, traduzidos dos Discursos do Buda e dos comentários, se dirigirem aos monges, eles também são válidos para aqueles que vivem em família. Assim como os Antigos Mestres dizem: "O bhikkhu (monge) é mencionado aqui como um exemplo daqueles dedicados à prática do Ensinamento. Qualquer um que siga tal prática se inclui no termo 'monge'".

Os Cinco Obstáculos
I. Textos gerais

"Esses cinco são obstáculos, obstruções, corrupções da mente, enfraquecedores da sabedoria. Quais cinco?
O desejo sensual é um obstáculo, uma obstrução, uma corrupção da mente, enfraquecedor da sabedoria. A má-vontade é um obstáculo, uma obstrução ... A preguiça e o torpor são um obstáculo, uma obstrução ... A inquietação e a ansiedade são um obstáculo, uma obstrução ... A dúvida é um obstáculo, uma obstrução, uma corrupção da mente, enfraquecedora da sabedoria.
E quando um bhikkhu não abandonou esses cinco obstáculos, obstruções, corrupções da mente, enfraquecedores da sabedoria, quando ele não possui força e tem fraco discernimento, que ele entenda aquilo que é benéfico para ele mesmo, que ele entenda aquilo que é benéfico para os outros, que ele entenda aquilo que é benéfico para ambos, que ele alcance um estado humano superior, que ele realize o verdadeiro nobre conhecimento e visão – isso é impossível.
Agora, quando um bhikkhu abandonou esses cinco obstáculos, obstruções, corrupções da mente, enfraquecedores da sabedoria, quando ele tem forte discernimento, que ele entenda aquilo que é benéfico para ele mesmo, que ele entenda aquilo que é benéfico para os outros, que ele entenda aquilo que é benéfico para ambos, que ele alcance um estado humano superior, que ele realize o verdadeiro nobre conhecimento e visão – isso é possível."

* * *

"Aquele cuja mente é afetada por uma cobiça desenfreada fará aquilo que ele não deveria fazer e negligenciará o que ele deveria fazer. E dessa forma, seu bom nome e felicidade virão à ruína.
Aquele cuja mente é afetada pela cobiça... pela preguiça e torpor... pela inquietação e ansiedade... pela dúvida fará aquilo que ele não deveria fazer e negligenciará aquilo que ele deveria fazer. E dessa forma, seu bom nome e felicidade virão à ruína.
Mas se um nobre discípulo vê esses cinco como contaminações da mente, ele irá abandoná-los. E, fazendo isso, ele é considerado alguém de grande sabedoria, de abundante sabedoria, possuidor de visão clara, bem equipado com o dom sabedoria. Isso é chamado 'dom da sabedoria'".

* * *

"Existem cinco contaminações que, se presentes no ouro, impedem que ele seja flexível e maleável, fazem ele perder o brilho, o tornam quebradiço e inadequado para ser bem moldado. Quais cinco? Ferro, cobre, estanho, chumbo e prata.
Mas se o ouro estiver livre dessas cinco contaminações, então ele será flexível e maleável, brilhante e resistente, e poderá ser bem moldado. Quaisquer ornamentos que alguém queira fazer com ele, seja uma coroa, um brinco, um colar ou uma corrente de ouro, ele servirá ao propósito.
Da mesma forma, existem cinco contaminações, que, se presentes na mente, impedem que ela seja flexível e maleável, fazem ela perder a lucidez radiante e firmeza, e impedem que ela se concentre bem para a erradicação das impurezas. Quais são essas cinco contaminações? Elas são: desejo sensual, má-vontade, preguiça e torpor, inquietação e ansiedade, e dúvida.
Mas se a mente estiver livre dessas cinco contaminações, então ela será flexível e maleável, ela terá lucidez radiante e firmeza e estará bem concentrada para a erradicação das contaminações. Qualquer estágio alcançável pelas faculdades mentais superiores para que ele direcione sua mente, ele irá adquirir em cada caso a capacidade de realização, se as (outras) condições forem preenchidas."

* * *

"E como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais referentes aos cinco obstáculos?
Aqui, havendo nele desejo sensual, um bhikkhu compreende: 'Existe em mim desejo sensual'; ou não havendo nele desejo sensual, ele compreende: 'Não existe em mim desejo sensual'; e ele também compreende como se despertam os desejos sensuais que ainda não despertaram e como acontece o abandono de desejos sensuais despertos e como acontece para que desejos sensuais abandonados não despertem no futuro.
Havendo nele má-vontade ... havendo nele preguiça e torpor ... havendo nele inquietação e ansiedade ... havendo nele dúvida, um bhikkhu compreende: 'Existe dúvida em mim'; ou não havendo dúvida nele, ele compreende: 'Não existe dúvida em mim'; e ele compreende como se desperta a dúvida que ainda não se despertou e como acontece o abandono da dúvida desperta e como acontece para que a dúvida abandonada não desperte no futuro."

* * *

Fazer uma nota mental imediatamente após o surgimento de um dos obstáculos, assim como recomendado no texto anterior, é um método simples, mas também muito efetivo para afastar essas e outras contaminações da mente. Fazendo isso, um "freio" é aplicado contra a continuação do fluxo descontrolado dos pensamentos prejudiciais e, a vigilância da mente ao reaparecimento deles é fortalecida. Esse método se baseia no simples fato psicológico que é expressado pelos comentaristas da seguinte forma: "Um pensamento hábil e inábil não podem ocorrer juntos ao mesmo tempo na mente. Portanto, na hora que se reconhece o desejo sensual (que surgiu no momento precedente), aquele desejo sensual não mais existe (há somente o ato de conhecer)."

Fonte: www.acessoaoinsight.net

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Planejar o Futuro





Pergunta: Ocupar-se do momento presente exclui planejar/projetar para o futuro? Não se ocupar nem do passado nem do futuro e ter projetos para a vida cotidiana, será tal coisa possível? Até onde se pode projetar? Isso me coloca um grande problema.

Resposta: Esta pergunta é muito importante. Dogen Zenji disse: “Quando abrimos as mãos e largamos tudo, temos as mãos enchidas”. Quando se começa a falar, muitas palavras chegam naturalmente. O que você quer, aquele lugar ao qual você quer chegar não se produz forçosamente do jeito que você está querendo. Mas quando se dá um passo atrás, aquele objetivo avança e vem em sua direção. É exatamente como eu disse, caminhar na chuva de granizo.

No que me toca, eu fiquei freqüentemente com raiva porque nada tinha para o amanhã, tinha fome. Subitamente, certo dia, alguém veio e me colocou na mão um cheque de mais ou menos quinhentos reais. Quando esperamos, nada vem, e quando não esperamos mais, as coisas chegam. Nossa vida é assim.

Antes de vir para o Brasil, eu trabalhava no Japão como editor de uma editora. Eu tinha que me encontrar com professores universitários muito importantes, mas muito ocupados e obter deles artigos para publicar.

Eu queria, mas não era fácil porque todo mundo era muito ocupado. Eu lhes visitava cedo de manhã, sobretudo quando chovia, mas nem sempre conseguia, ou então tarde da noite. Mas isso era muito delicado. Eu tinha começado a estudar seus hábitos, sua origem, suas atividades e seus hobbies. Um dia, eu me encontrei com um grande professor, eu diria o professor dos professores. Havia muitos de seus discípulos antigos que estavam agora como professores de eminentes universidades. Esse grande professor já estava aposentado e era muito difícil encontrar com seus discípulos, que eram muito orgulhosos e desagradáveis.
Então, eu prestei uma visita a este grande professor que havia traduzido um livro do Shobogenzo e lhe contei sobre minha experiência no mosteiro, de monge, esquecendo que eu precisava de um artigo. Começamos a falar livremente do Zen, do Caminho, do Dharma. Eu esqueci da hora e em certo momento disse: “Eu tenho que ir embora”. Então o professor me disse: “Espere, espere, você esqueceu isto”. E ele me entregou um livro que já estava pronto.

A partir do momento em que obtive um artigo deste professor, todos seus discípulos concordaram que deviam me entregar artigos deles também, sem que fosse necessário pedir demais. Isso não acontece sempre assim, mas com o zazen, o estado de espírito se modifica pouco a pouco.

Em geral é preciso planejar e organizar as coisas, mesmo que não estejam indo como se deseja, mas com o tempo, a prática, isso tudo muda um pouco e começamos a nos liberar, a abandonar, a deixar cair esta necessidade de se preparar. E quando nos encontramos aqui, então chega tudo. Isso é sem dúvida uma coisa maravilhosa da existência.

É neste sentido que Dogen Zenji diz que quando nos esforçamos por obter a iluminação, é uma ilusão. Quando todos os fenômenos dão a confirmação de sua iluminação, isso é o satori.


Fonte:
http://tokuda-igarashi.net/wp/


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domingo, 18 de setembro de 2011

O Mito da Mera Atenção.





O Mito da Mera Atenção

O Buda nunca usou a palavra “mera atenção” nas suas instruções de meditação. Isto porque ele compreendeu que a atenção nunca ocorre numa forma de condição mera, pura ou incondicional. Ela é sempre colorida pelas nossas opiniões e percepções: os rótulos que temos a tendência de dar para os eventos; e pelas intenções: a escolha para onde dirigir a atenção e a razão para estar atento. Se não compreendermos a natureza condicionada mesmo de simples atos de atenção, poderemos presumir que um momento de atenção não-reativa é um momento da iluminação. E deste modo não estaremos considerando um dos mais cruciais insights da meditação Budista, de como até os eventos mentais mais simples podem formar uma condição para o apego e o sofrimento. Se tomarmos um evento condicionado como incondicionado, fecharemos a porta para o incondicionado. Portanto, é importante entender a natureza condicionada da atenção e como o Buda recomendou que ela fosse treinada – como atenção com sabedoria – para ser um fator do caminho que leva para além da atenção, para a completa iluminação.
O termo em Pali para atenção é manasikara. Você pode ter ouvido que o termo para mindfulness – sati – significa atenção, mas não é como o Buda usava o termo. Mindfulness, para ele, significa manter alguma coisa em mente. É a função da memória. Quando praticamos o estabelecimento de mindfulness, (satipatthana), permanecemos focados na observação do objeto que foi escolhido como base de referência: o corpo, as sensações, a mente ou as qualidades mentais. Esse processo de ficar firmemente focado na observação de um objeto é chamado anupassana, e requer a ajuda de três qualidades mentais. Atenção plena, (satima), para manter o objeto de referência em mente, para continuar se lembrando dele. Ao mesmo tempo, precisamos estar alertas, completamente conscientes do que estamos fazendo, (sampajañña), para ter certeza que estamos realmente fazendo aquilo que está na mente como tarefa. Por fim precisamos ser zelosos ou ardentes, (atapi), para fazer isso habilidosamente. O ato de observar um objeto desse modo – com atenção plena, plena consciência e ardente – é o que constitui o estabelecimento da atenção plena, (mindfulness), que então forma o tópico ou tema, (nimitta), da concentração correta.
Por exemplo, se focarmos na respiração como objeto de referência, anupassana, isso significa manter contínua atenção na respiração. Atenção plena significa simplesmente lembrar de ficar com isso, mantendo isso na mente o tempo todo, enquanto que ter plena consciência significa saber claramente o que a respiração está fazendo e quão bem você está permanecendo com ela. Ardência é o esforço para fazer tudo isso habilidosamente. Quando todas essas atividades permanecem completamente coordenadas, elas formam o tema da nossa concentração.
Mas, para compreender como a atenção com sabedoria funciona no contexto desse treinamento, primeiro temos de compreender como a atenção habitual funciona numa mente não treinada.
O Condicionamento da Atenção
No ensinamento da origem dependente – a explicação do Buda de como os eventos interagem para criar as condições para o sofrimento – a atenção aparece no início da seqüência, no fator dos eventos mentais chamado “mentalidade”. Seguido de ignorância, fabricação e consciência; e precedido dos seis meios dos sentidos, contato e sensação.
“Ignorância” aqui não significa uma falta geral de conhecimento. Significa não compreender a experiência dentro do contexto das quatro nobres verdades: sofrimento, sua causa, sua cessação e o caminho para a sua cessação. Qualquer outro sistema para entender a experiência, não importando quão sofisticado, qualificaria como ignorância. Exemplos clássicos dados no Cânone incluem uma visão das coisas através do princípio do eu e do outro, ou da existência e da não-existência: O que sou eu? O que eu não sou? Eu existo? Eu não existo? As coisas existem fora de mim? Elas não existem?
Essa ignorância condiciona a fabricação intencional, ou manipulação, dos estados corporais, verbais e mentais. A respiração é o principal meio de fabricação de estados corporais e a experiência prática mostra que - ao promover o aparecimento de sensações de conforto e desconforto - ela também tem um impacto nos estados mentais. Quando colorida pela ignorância, até a respiração pode agir como uma causa de sofrimento. Quanto aos estados verbais, o pensamento aplicado e o pensamento sustentado são os meios para a fabricação de palavras e sentenças , enquanto os estados mentais são fabricados pelas sensações – prazer, dor, nem-prazer, nem-dor e percepções – os rótulos que colocamos nas coisas.
A consciência sensorial é colorida por essas fabricações. E aí – com base nas condições de ignorância, fabricação e consciência sensorial – o ato da atenção surge como um evento de um grupo de eventos mentais e físicos chamados mentalidade e materialidade.
Como se as precondições para a atenção já não fossem complexas o suficiente, as condições que surgem concomitantemente à mentalidade-materialidade adicionam um outro nível de complexidade. “Materialidade ou Forma” significa a forma do corpo como experienciado a partir de dentro e delineado pela atividade da respiração. “Mentalidade” inclui não só a atenção, mas também intenção, novamente; sensação e percepção, novamente; e contato, que aqui aparentemente significa contato entre todos os fatores já listados.
Todas essas condições, agindo juntas, são o que ordinariamente colorem cada ato da atenção para cada um dos seis sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato, e o sentido da mente que sabe as qualidades mentais e idéias.
A partir disso – e muito mais poderia ser dito sobre essas condições – deveria ser óbvio que o simples ato da atenção é qualquer coisa, menos mera. A atenção é em geral moldada por idéias ignorantes e as ações intencionais influenciadas por essas idéias. Como resultado, habitualmente a atenção é sem sabedoria: aplicada às coisas erradas e por razões não apropriadas, agravando assim o problema do sofrimento, ao invés de aliviá-lo.
Treinando a Atenção com sabedoria
Então, como a atenção pode ser treinada na outra direção? Obviamente, ela deveria ser livre das condições de ignorância, mas isto não significa que ela deveria – ou mesmo que pode – ser inteiramente livre de condicionamentos. Afinal, isso requereria um ato da vontade, e esse ato de vontade teria de ser formado por um entendimento correto e pragmático do sofrimento e das suas causas. E também, esse ato de vontade e esse entendimento teria de ser trazido à mente continuamente para que a atenção pudesse ser re-treinada continuamente.
Assim, ao invés de ser despojada de todas as condições, a atenção requer esse novo conjunto de condições para fazer com que ela se torne sábia. É por isso que o Buda disse que os fatores correspondentes ao caminho – entendimento correto, esforço correto e atenção plena correta – estão sempre juntos com cada passo do caminho. Entendimento correto fornece a habilidade de ver as coisas sob o prisma das quatro nobre verdades, o esforço correto ativa o desejo e a intenção de agir habilmente em relação a esse entendimento, enquanto que a atenção plena correta fornece uma base sólida para a manutenção desse entendimento e desse esforço na mente.
Desses três fatores do caminho, entendimento correto vem primeiro, pois é o antídoto direto para a primeira condição da ignorância. Entendimento correto não é simplesmente conhecimento sobre as quatro nobres verdades; é o entendimento que vê as coisas sob o ângulo dessas verdades. Em outras palavras, para uma pessoa que objetiva o fim do sofrimento e do estresse, esse entendimento indica os quatro principais fatores que devem ser buscados a todo momento. Ao mesmo tempo, o entendimento vê as tarefas e obrigações apropriadas a cada fator: o sofrimento deve ser compreendido, a sua causa abandonada, a sua cessação realizada, e o caminho para a sua cessação desenvolvido. Como o Buda mencionou no seu primeiro sutta, esse conhecimento das tarefas apropriadas para cada verdade vem em dois estágios. O primeiro, identifica a tarefa. O segundo, compreende que a tarefa foi completada. Esse segundo estágio é o conhecimento da iluminação. Entre o primeiro estágio e o segundo estágio se estende a prática.
O que isso significa é que a prática será marcada por períodos alternados de ignorância e sabedoria, com a sabedoria crescendo gradualmente cada vez mais forte e mais refinada. Durante esses períodos de sabedoria, o ato da atenção será informado pelo entendimento do sofrimento e das suas causas. Será motivado também pelas intenções – expressadas através da maneira como nos relacionamos com a respiração, pela atividade mental referente ao pensamento aplicado e pensamento sustentado e pelas nossas percepções e sensações – que objetivam trazer o sofrimento para um fim. Essa combinação do entendimento sábio e da intenção compassiva é o que transforma o ato da atenção, de causa do sofrimento numa estratégia saudável: uma atenção curativa. Essa atenção curativa é chamada sábia por que olha para as coisas de maneira apropriada para seguir adiante com as tarefas das nobres verdades, focando em quaisquer que sejam as tarefas que necessitem ser desenvolvidas num determinado momento.
Por exemplo, quando a atenção precisar ser focada na compreensão do sofrimento, o papel da atenção com sabedoria é ver os agregados – os componentes do nosso sentido de eu – de tal modo que induza o desapego em relação a eles.
“Um bhikkhu virtuoso, meu amigo Kotthita, deveria observar com atenção com sabedoria os cinco agregados influenciados pelo apego como impermanentes, sofrimento, uma enfermidade, um câncer, uma flecha, dolorosos, uma aflição, estranhos, uma dissolução, um vazio, não-eu. Quais cinco? A forma como um agregado influenciado pelo apego, sensação ... percepção ... formações ... consciência como um agregado influenciado pelo apego. Um bhikkhu virtuoso deveria observar com atenção com sabedoria esses cinco agregados influenciados pelo apego como impermanentes, sofrimento, uma enfermidade, um câncer, uma flecha, dolorosos, uma aflição, estranhos, uma dissolução, um vazio, não-eu. Pois, é possível que, um bhikkhu virtuoso, que observe com atenção com sabedoria esses cinco agregados como impermanentes ... não-eu, possa alcançar o fruto de ‘entrar na correnteza’” [ SN 22.122]
Dar atenção aos agregados dessa forma ajuda a progredir na tarefa do abandono de qualquer apego aos agregados que causem sofrimento.
Quando a atenção precisa ser focada no desenvolvimento do caminho, o papel da atenção com sabedoria é alimentar os fatores da iluminação e esfomear os cinco obstáculos que atrapalham. Aqui é onde a atenção com sabedoria se aplica à prática do estabelecimento da atenção plena, levando-se em conta que a atenção plena solidamente estabelecida é o primeiro fator da iluminação. Assim, um dos primeiros papéis da atenção com sabedoria é alimentar o desenvolvimento da atenção plena.
A imagem de alimentar ou esfomear está aqui diretamente relacionada com o insight da condicionalidade que formou a mensagem essencial da iluminação do Buda. De fato, quando ele introduziu o tópico da condicionalidade aos jovens noviços, ele o ilustrou com o ato da alimentação: Todos os seres, ele disse, sobrevivem de comida. Se a existência deles depende do ato de comer, então, ela termina quando eles são privados dessa comida. A aplicação dessa analogia ao problema do sofrimento nos leva à conclusão de que, se o sofrimento depende de condições, ele pode ser levado a um fim se o esfomearmos das suas condições.
Na sua expressão mais sofisticada, porém, o insight do Buda, em relação à causalidade, indica que cada momento é composto de três tipos de fatores: resultados de intenções no passado, intenções no momento presente e resultados de intenções no momento presente. Por que muitas intenções no momento passado podem ter um impacto a qualquer momento, isso significa que pode haver muitas influências potenciais provindas do passado – benéficas ou prejudiciais – aparecendo no corpo ou mente a todo momento. O papel da atenção com sabedoria é focar em qualquer que seja a influência potencialmente mais benéfica e olhar de tal modo que promova intenções habilidosas no presente momento.
Alimentando e Esfomeando
O Discurso da Comida, (Ahara Sutta, SN 46.51), indica como a atenção com sabedoria pode ser aplicada aos potenciais do momento presente para esfomear os obstáculos e alimentar os fatores da iluminação. Em relação aos obstáculos ele indica que:
Desejo sensual é alimentado pela atenção sem sabedoria ao tema da beleza e esfomeado pela atenção com sabedoria ao tema do não atrativo. Em outras palavras, para esfomear o desejo sensual voltamos nossa atenção dos aspectos de beleza do objeto de desejo e focamos, ao invés, no seu lado não atrativo.

Má vontade é alimentada pela atenção sem sabedoria ao tema da irritação e esfomeada pela atenção com sabedoria ao abandono mental através da boa vontade, compaixão, alegria altruísta e equanimidade. Em outras palavras, voltamos nossa atenção dos aspectos irritantes que irradiam má vontade e focamos, ao invés, em quanta liberdade a mente experiencia quando pode cultivar essas atitudes sublimes no seu íntimo.

Preguiça e torpor são alimentados pela atenção sem sabedoria aos sentimentos de tédio, sonolência e preguiça. São esfomeados pela atenção com sabedoria a qualquer potencial de energia ou esforço no presente.
Inquietação e ansiedade são alimentadas pela atenção sem sabedoria à falta de tranqüilidade na mente e esfomeadas pela atenção com sabedoria a qualquer tranqüilidade mental que estiver presente.

Dúvida é alimentada pela atenção sem sabedoria aos tópicos que são abstratos e conjecturais e é esfomeada pela atenção com sabedoria às qualidades hábeis e não hábeis da mente. Em outras palavras, ao invés de focar em assuntos que não podem ser resolvidos através da observação no presente momento, focamos em um que pode: quais qualidades mentais resultam em prejuízo para a mente e quais não.

Em resumo, cada obstáculo é esfomeado pela mudança tanto de foco como de qualidade da atenção.
Com os fatores da iluminação, no entanto, o processo de alimento consiste principalmente de mudança da qualidade da atenção. O discurso lista cada fator – atenção plena, investigação dos fenômenos, energia, êxtase, tranqüilidade, concentração, (os quatro jhanas), e equanimidade – junto com a sua base potencial, dizendo que o fator é esfomeado pela atenção sem sabedoria e alimentado pela atenção com sabedoria. Com exceção de uma, o discurso não menciona o nome de cada base. Aparentemente, o propósito disso é desafiar o meditador. Uma vez que o meditador tenha recebido as instruções para a atenção plena e concentração, ele deverá tentar identificar na sua própria experiência qual é a base potencial de cada fator da iluminação.
A única exceção, no entanto, é esclarecedora. A base do segundo fator – investigação dos fenômenos – é a presença de qualidades mentais hábeis e não hábeis. Dar atenção com sabedoria para essas qualidades não só alimenta o fator da investigação dos fenômenos, como também esfomeia o obstáculo da dúvida, e ao mesmo tempo, fornece o referencial para a identificação, por você mesmo, das bases para cada um dos fatores da iluminação restantes.
Desses fatores, a equanimidade é o mais próximo do que é algumas vezes descrito como mera atenção ou atenção não reativa. Mas até mesmo a equanimidade é condicionada pelas idéias e intenções. Por exemplo, o Buda mostra no MN 101 que ao encontrar qualidades não hábeis na mente, o meditador observará que algumas dessas qualidades desaparecerão somente através de um esforço concentrado; em outros casos, porém, só olhar com equanimidade já será o suficiente. Mas até mesmo essa equanimidade é condicionada por um entendimento do que é hábil e não-hábil e está motivada para fazer o que é não-hábil desaparecer.
Não Fabricação
De fato, a equanimidade tem vários níveis, e um insight crucial no nível mais alto da prática é ver que mesmo a equanimidade dos estados refinados de jhana – nos quais a consciência e seu objeto parecem totalmente “unificados” – é uma fabricação: condicionada e resultante da volição. Ao ganhar esse insight, a mente se inclina na direção do que chamamos de “não-fabricação”, (attammayatta) – literalmente, “não-feito-disso”, onde nada é absolutamente adicionado aos dados da experiência sensorial.
A mudança da equanimidade para a não-fabricação é descrita resumidamente numa passagem famosa:
“Então, Bahiya, você deve treinar assim: Com relação ao que é visto, haverá apenas o visto. Com relação ao que é ouvido, haverá apenas o ouvido. Com relação ao que é sentido, haverá apenas o sentido. Com relação ao que é conscientizado, haverá apenas o conscientizado. Assim é como você deve treinar. Quando com relação ao que é visto houver apenas o visto, ao que é ouvido houver apenas o ouvido, ao que é sentido houver apenas o sentido, ao que é conscientizado houver apenas o conscientizado, então, Bahiya, você não estará ‘com aquilo.’ “Quando você não estiver ‘com aquilo,’ então você não estará ‘naquilo.’ Quando você não estiver ‘naquilo,’ então você não estará aqui, nem além e tampouco entre os dois. Isso em si mesmo é o fim do sofrimento.” [ Ud I.10]
Superficialmente, essas instruções podem dar a impressão de estar descrevendo a mera atenção, mas se olharmos mais detidamente veremos que tem mais coisa por trás disso. Para começar, as instruções vêem em duas partes: o conselho sobre como treinar a atenção e a promessa dos resultados que virão do treino da atenção dessa maneira. Em outras palavras, o treino também está operando no nível condicionado de causa e efeito. É algo para ser feito. Isso significa que é moldado por uma intenção, o que por sua vez é moldado por um entendimento. A intenção e o entendimento são formados pela parte “resultado” da passagem: O meditador quer atingir o fim do estresse e sofrimento e, portanto, está querendo seguir o caminho para esse fim. Assim, com cada nível distinto da atenção com sabedoria, a atenção correspondente desenvolvida é condicionada pelo entendimento correto – o conhecimento de que as intenções no presente são no final das contas a fonte do sofrimento – e motivadas pelo desejo de colocar um fim a esse sofrimento. É por isso que o esforço é feito para não adicionar absolutamente nada aos potenciais vindos do passado.
A necessidade do entendimento correto pareceria inexistente diante das circunstâncias que circundam essas instruções. Afinal, essas são as primeiras instruções que Bahiya recebe do Buda, e ele realiza a iluminação imediatamente depois de recebê-las, portanto as instruções parecem serem completas por si mesmas. Entretanto, naquilo que antecede essa passagem, Bahiya é descrito como uma pessoa extraordinariamente atenta e motivado em relação à pratica. Ele já sabe que a iluminação é realizada através do ‘fazer algo’ e as instruções vêem em resposta ao seu pedido de um ensinamento que lhe mostrasse o que fazer agora para o seu bem estar e felicidade por muito tempo – a pergunta que o MN 135 identifica como a base da sabedoria e discernimento. Assim, a atitude dele contém todas as sementes do entendimento correto e da intenção correta. Por que ele era sábio – o Buda mais tarde o elogiou como o principal entre os seus discípulos em relação à rapidez do seu discernimento – ele foi capaz de trazer aquelas sementes para fruição imediatamente.
Um verso do SN 35.95 – dito pelo Buda, expressa o sentido das instruções para Bahiya – dá uma explicação sobre como Bahiya pode ter desenvolvido essas sementes.
“Quando, com firme atenção plena, ele vê uma forma, ele não se inflama com a cobiça pelas formas; ele as experimenta com a mente desapegada e não permanece agarrado naquilo com intensidade."
“Ele assim permanece com atenção plena de tal modo que mesmo ao ver a forma, e enquanto sente uma sensação, [o sofrimento] é exaurido, não acumulado. Para aquele que assim desmantela o sofrimento, é dito que Nibbana está muito próximo."
Note duas palavras nesses versos: atenção plena e desapegado. A referência à atenção plena enfatiza a necessidade de continuamente se lembrar da intenção de não adicionar nada a quaisquer potenciais do passado. Isso novamente aponta para a natureza da atenção provida de volição que está sendo cultivada.
Algumas interpretações das instruções para Bahiya sugerem que há um fator adicionado, de um entendimento metafísico de algo por detrás dos dados das experiências, mas esse tipo de idéia metafísica – mesmo que possa constituir uma base para a paixão – será apenas uma entre muitas bases. A crença de que existe algo no exterior que pode ser agarrado e possuído pode obviamente formar uma condição para a paixão, mas assim também a crença de que não existe nada no exterior: quando não existe nada, não haverá nenhum dano ao ceder ao desejo, o tipo de idéia que pode justificar todas as paixões prejudiciais. Então, o meditador tem de ser muito cauteloso para não adicionar hipóteses aos dados da experiência que possam de alguma maneira, forma ou jeito que seja, encorajar a paixão. E isso envolve mais do que mera atenção. Isso requer entendimento correto sobre como a paixão funciona e o que é necessário para derrotá-la.
A noção que temos de quem somos é definida por nossas paixões, (como indicado nos SN 22.36 e SN 23.2). Mesmo quando não pensamos conscientemente no “eu” – como quando estamos totalmente imersos numa atividade, unificados com a atividade – pode existir a paixão por esse estado de unificação com um forte sentido de “estar aqui”, “ser o fazedor”, ou "ser o sabedor”, que é uma forma sutil de identidade.
Mas quando o discernimento está afiado o suficiente para ver que mesmo essa equanimidade é fabricada e condicionada, algo que é feito, (veja MN 137 e MN 140), qualquer paixão por isso pode também ser enfraquecida. Quando a paixão consistentemente não tem um lugar para pousar, não existe o núcleo para um “lugar” de nenhum tipo: nenhum “aqui”, nenhum “lá”, nenhum núcleo para fabricar um sentido de identidade em torno de alguma coisa em absolutamente nenhum lugar. Isso explica o porque do estado de não–fabricação ser expressado como destituído de lugar: “Quando você não estiver ‘com aquilo,’ então você não estará ‘naquilo.’ Quando você não estiver ‘naquilo,’ então você não estará aqui, nem além e tampouco entre os dois.”
Com o total desaparecimento da paixão, a intenção final de enfraquecer a paixão pode então ser abandonada. Quando ela é abandonada – sem necessidade de substituição por nenhuma outra – nada mais é construído. Isso traz a verdadeira abertura para o Imortal, que está além de todas as condições – até mesmo das condições de entendimento correto, atenção plena e atenção com sabedoria.
A extraordinária natureza dessa experiência é indicada pelo verso que conclui o discurso para Bahiya:
"Onde a terra, água, fogo e ar, grande e pequeno, fino e grosseiro, puro e impuro – não encontram apoio:
Onde as estrelas não brilham,
o sol não È visÌvel,
a lua não aparece,
a escuridão não é encontrada.
E quando um sábio,
um brâmane através da sabedoria,
compreendeu isso de modo direto,
então do material e do imaterial,
do prazer e da dor,
ele está libertado."
Quando a pessoa iluminada emerge da sua experiência e recomeça a lidar com as condições de tempo e espaço, é com uma perspectiva totalmente nova. Mas até mesmo nesse caso, ele/ela ainda encontrarão utilidade para a atenção com sabedoria. Como o Venerável Sariputta observa no SN 22.122:
"Um arahant deveria observar com atenção com sabedoria os cinco agregados influenciados pelo apego como impermanentes, sofrimento, uma enfermidade, um câncer, uma flecha, dolorosos, uma aflição, estranhos, uma dissolução, um vazio, não-eu. Apesar de não existir nada mais a ser feito e nada a acrescentar àquilo que já foi feito por um arahant, ainda assim, quando essas coisas são desenvolvidas e cultivadas, elas conduzem a um estado prazeroso no aqui e agora, à atenção plena e à completa compreensão."
Portanto, é importante compreender que não existe essa coisa de mera atenção na prática dos ensinamentos do Buda. Ao invés de tentar criar uma forma incondicionada de atenção, a prática tenta criar um conjunto de condições habilidosas para moldar e direcionar o ato da atenção para transformá–la em sábia: verdadeiramente curativa e que verdadeiramente leva ao fim do sofrimento e estresse. Uma vez que essas condições tenham sido bem desenvolvidas, o Buda garante que elas serão muito úteis – mesmo depois de passado o momento da iluminação, todo o tempo, até a última morte.
Postado em: www.acessoaoinsight.net

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