sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Budismo e ciência

Um dia um grupo de jovens de Kalama veio visitar o Buda enquanto ele estava naquela área. Eles perguntaram, “Querido professor, muitos professores vieram aqui e cada um deles defende que seu ensinamento é a verdade, é o absoluto. Cada um diz que deveríamos segui-los e não seguir a outro professor. Qual é a sua idéia?” O Buda disse: “Não se apresse em acreditar em nada, mesmo se estiver escrito nas escrituras sagradas. Não se apresse em acreditar em nada só porque um professor famoso disse. Não acredite em nada apenas porque a maioria concordou que é a verdade. Você deveria testar qualquer coisa que as pessoas dizem através de sua própria experiência antes de aceitar ou rejeitar algo.”
 
O que o Buda disse é verdadeiramente científico. O budismo não pode ser descrito como ciência, mas tem o espírito científico.
 
Como cientista, depois de algum tempo pesquisando e fazendo vários experimentos, você descobre algo. Feita a descoberta, você tem que publicar o que descobriu, porque acredita que descobriu a verdade, uma verdade científica. Depois de ter publicado seu achado em uma revista científica, outras pessoas irão olhar para ele e haverá um número muito pequeno de especialistas no seu campo de pesquisa que irão determinar se seu achado é verdade ou não. Para fazer isso, eles irão testar por eles mesmos. Eles não podem apenas dizer que o que você disse é verdade porque eles são especialistas naquele campo. Eles têm que provar com sua própria experiência. A grande maioria das pessoas que não é especialista no campo, apenas acredita, porque não temos meios de testar a descoberta de forma a verificar a verdade. Temos que acreditar em um número muito pequeno de cientistas daquele campo de atuação.
 
No domínio da ciência há muitas crenças. Acreditamos no que os especialistas dizem sem testarmos por nós mesmos. Mesmo assim, tendo sido provado que era a verdade, dez ou vinte anos depois uma nova verdade é considerada superior, mais profunda, mais verdadeira que a verdade anterior. E novamente haverá um punhado de especialistas que tentarão confirmar e nós, a maioria, vamos seguir. Neste caminho nos comportamos como pessoas religiosas, mesmo no domínio da ciência.
 
E sobre a prática do budismo? No budismo, o objeto de nossos estudos é a mente e como ela se relaciona com o sofrimento e a felicidade. Não estamos tão preocupados com a mesa ou a nuvem, com o átomo ou as estrelas. Mas estamos preocupados com o sofrimento e felicidade. Não somos filósofos. Não especulamos sobre felicidade e sofrimento. Queremos realmente observar nosso sofrimento, observar nossa felicidade. Queremos achar uma solução. Queremos nos liberar do sofrimento. Queremos trazer felicidade verdadeira. E esse é o trabalho real que não pode ser feito apenas falando.
 
Quando você senta em meditação, segue sua respiração e gera a energia da plena consciência e concentração, tem os instrumentos para trabalhar. Pode reconhecer e abraçar seu sofrimento. Pode cultivar o tipo de sabedoria que pode ajudar a desintegrar o sofrimento. Você pode fazer isso no espírito empírico – você realmente entra nele, e não apenas fala sobre ele. Seu sofrimento é a realidade e você o reconhece. Você entra nele, analisa e usa sua plena consciência, concentração e insight de forma a transformá-lo. É como um cientista usando seus instrumentos de forma a olhar profundamente na natureza do que está lá. E depois de usar o método de transformação e cura, você pode querer compartilhar isso com seus alunos ou amigos.
 
Há bons praticantes de meditação que tem mais ou menos o mesmo tipo de experiências. Eles tentam verificar e experimentar o mesmo tipo de coisa. Se eles forem bem sucedidos, podem dizer: “O que você nos disse é verdade. Eu tive a mesma experiência.” Mas muitas pessoas em volta apenas acreditam, sem ter a experiência. Portanto não há grande diferença entre ciência e budismo. Muitos budistas apenas acreditam. Há apenas um punhado de nós que podem testemunhar a verdade que foi descoberta.
 
Budismo às vezes descreve a mente e às vezes o mundo, mas essa descrição não é pelo prazer da descrição. A descrição objetiva a prática. Se você aprender sobre a mente é porque quer praticar bem. Não é porque quer uma bela doutrina sobre a mente. Se você falar sobre impermanência e não-eu não é pelo prazer de descrever a realidade como sendo impermanente e livre de um eu separado. Essa descrição é um instrumento que o ajuda a se liberar,porque a verdade da impermanência e não-eu podem te ajudar a superar seu desespero, seu medo e assim por diante. Portanto há uma diferença.
 
Quando um cientista estuda uma partícula, tem que usar instrumentos, aceleradores de partícula e outros, mas ele tem que usar a mente também. A maioria dos cientistas fica fora da partícula como um observador, e a partícula se torna o objeto da observação. Mas na experimentação dos praticantes budistas, você não fica fora como um observador. Não pode se estabelecer como observador. Tem que se tornar participante, porque o bloco de sofrimento que você experimenta não é o objeto de sua observação. É você. Você é o bloco de sofrimento. É por isso que o Buda disse para se praticar a contemplação do corpo no corpo, contemplação dos sentimentos nos sentimentos. Não é possível ficar de fora, em pé, observando. Você tem que se tornar uno com o objeto que observa. Esta é a diferença entre ciência e budismo, e os cientistas modernos começaram a ver isso.
 
O físico britânico David Bohm disse que de forma a realmente entender o átomo você teria que parar de ser apenas um observador. Deveria começar a ser um participante. Isto é muito próximo da disciplina da meditação.
 
A esquerda política acredita na ciência, no liberalismo, na razão. Eles lutam com todas as forças contra o fundamentalismo e o dogmatismo, mas ainda sofrem muito. Eles não têm força suficiente. Politicamente falando eles perderam a eleição. Como eles apóiam a ciência e a liberdade de pensamento, são anti-dogmáticos, sim, mas isto ainda não é suficiente. Eles não estão aptos a trazer a dimensão espiritual para dentro das suas vida. É possível ter dimensão espiritual na nossa vida diária, na nossa política, na nossa vida econômica, sem sermos capturados pelo fundamentalismo?
 
O Buda provou que era liberal, mas ele era profundamente espiritual. É por isso que ao falar em evolução biológica você tem que falar em evolução cultural, evolução espiritual, que tem o poder de nos liberar do dogmatismo e do fundamentalismo. A questão é como a ciência e a meditação podem dar as mãos de forma a ir em frente ao futuro, para nossa liberação. Esta é uma questão de nosso tempo.
 
Em agosto de 2006, teremos um retiro sobre a Mente e a Neurociência, e teremos uma chance de tocar nesse problema. Budismo às vezes parece uma religião, mas não é verdadeiramente uma religião. Às vezes parece ciência, mas não é ciência, por que estamos preocupados com a realidade última. Nós gostamos de fazer perguntas, mas também queremos nos transformar, nos curar. Há dentro do budismo uma tremenda fonte de sabedoria e experiência passada pelo Buda através de muitas gerações de praticantes. Podemos aprender muito de suas experiências de forma que possamos por nossa vez nos transformar e ajudar a curar e transformar o mundo.

(Transcrito de um Dharma Talk de Thich Nhat Hanh em um retiro para cientistas em 17 de novembro de 2005 em Plum Village)

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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Agora para as mamães...

O PALÁCIO DO FILHO
por Thich Nhat Hanh

Você se lembra de alguma coisa do período em que ficou no útero de sua mãe? Todos nós passamos cerca de nove meses lá. É bastante tempo. 
 
Acredito que todos nós tivemos a chance de sorrir durante aquele tempo. 

Mas para quem sorríamos? Quando estamos felizes, a tendência natural é sorrir. 

Já vi pessoas, principalmente crianças, sorrirem enquanto dormem.

Mesmo se tivermos passado por momentos difíceis com nossas mães depois de nascidos, ou mesmo se não tivermos sido criados por elas, o tempo que passamos no últero de nossa mãe foi maravilhoso. Não tínhamos que nos preocupar com o que comer ou beber. Estávamos protegidos do calor e do frio. Não tínhamos que fazer lição de casa nem tarefas domésticas. Protegidos no útero de nossa mãe, nós nos sentíamos bem seguros. Não tínhamos que nos preocupar com nada. É maravilhoso não ter que se preocupar com nada.

Acredito que muitos ainda se lembrem do tempo em que passaram no últero de suas mães. Muitas pessoas têm a impressão de que já estiveram uma vez em um paraíso seguro e maravilhoso e que agora perderam esse paraíso. Pensamos que em algum lugar por aí há um lugar lindo, livre de preocupações ou medos, e ansiamos voltar para lá. Em vietnamita, a palavra útero significa "o palácio do filho". O paraíso estava dentro de nossas mães.

Sua mãe cuidou de você dentro do últero. Ela comia e bebia por você. Ela respirava por você, inspirava e expirava. E acredito que também sonhava por você. Imagino que você sonhou os sonhos de sua mãe. E quando sua mãe sorria, acho que você sorria também. Se sua mãe estivesse passando por algo difícil e chorasse ao sonhar, acho que você também choraria com ela. Você compartilharia os sonhos e pesadelos dela porque você e sua mãe não eram duas pessoas separadas. Estavam fisicamente ligados um ao outro através do cordão umbilical. E com esse cordão umbilical sua mãe tinha um canal para lhe levar alimentos, líquidos, oxigênio - tudo, inclusive o seu amor. Você estava lá, ainda por nascer, e mesmo assim já era objeto de amor.

É importante lembrar que você estava sendo nutrido mesmo antes de nascer. Se olhar profundamente, verá que ao mesmo tempo você também nutria sua mãe. Devido à sua presença no corpo dela, o corpo dela mudava e crescia. Às vezes ela podia estar cansada, talvez não se sentisse bem, mas ao mesmo tempo deve ter sorrido mais e amado a vida ainda mais.

Talvez sua mãe tenha conversado com você antes de você nascer. E estou convencido de que você a ouvia falar e até respondia. 

Talvez tenha acontecido de uma vez ou outra ela ter se esquecido de que você estava lá. Por isso talvez você a tenha chutado, só para se lembrar. O seu chute era um sino da plena consciência. Se ela estivesse praticando a plena consciência, poderia ter dito, "Querido, sei que você está aí e estou muito feliz". Este é o primeiro mantra. Mesmo que ela não tenha dito ou sabido disso, o corpo dela reagia fazendo tudo o que fosse necessário para nutri-lo.

Logo que você nasceu, alguém cortou seu cordão umbilical. Provavelmente você chorou alto pela primeira vez. A partir daquele momento, teria que respirar sozinho. Teria que se acostumar com a luz ao seu redor. Sentiria fome pela primeira vez. Agora você estava fora de sua mãe, mas ainda assim, de alguma forma, dentro dela. Você ainda dependia dela. Talvez tenha sido amamentado por ela. E embora o cordão não estivesse mais ali entre vocês, você estava ligado à sua mãe de uma forma muito concreta, íntima.

Enquanto bebê, você sabe que está ligado a sua mãe, e enquanto mãe, você consegue sentir-se ligada ao seu filho. Se você é mãe, talvez sinta que você e seu bebê são um só. Mas se segurar seu bebê e forçá-lo a ser exatamente como você, isso não será correto. É bom que você e seu bebê sejam um só, mas o bebê também recebe outras influências e ao crescer poderá ter novos insights. Toda mãe precisa aprender a treinar e perceber que seu bebê, seu filho, é ao mesmo tempo ela própria mas também diferente dela. Essa criança tem sua própria vida. Você não pode prender seu filho, fazê-lo tomar a mesma direção que você ou obrigá-lo a fazer o que você quer, dentro de seus próprios moldes. Seu filho é sua continuação, mas é também a continuação de muitas gerações de ancestrais que o antecederam. Talvez durante sua vida você não tenha tido a chance de regar as boas sementes herdadas e, portanto, não tem as mesmas chances que seu filho. Quando seu filho tiver um monte de novos insights, aprenda com ele.

Se sua mãe teve dificuldades em deixar que você fosse você mesmo, ou se você está tendo dificuldades com sua mãe, talvez esteja lutando muito para se convencer que você e sua mãe são duas pessoas diferentes. Mas não é bem assim. Você é uma continuação de ambos os seus pais. Quando medito, ainda consigo ver o cordão que me liga à minha mãe. Ao olhar profundamente, percebo cordões umbilicais me ligando a outros fenômenos também. O sol nasce todas as manhãs. E, graças ao sol, temos calor e luz. Sem essas coisas, não podemos sobreviver.

Portanto, há um cordão umbilical que liga você ao sol. Outros cordões umbilicais lhe ligam às nuvem no céu. Se as nuvens não estivessem lá, não haveria chuva nem água para beber. Sem nuvens, não há leite, chá, café, sorvete, nada. Há um cordão umbilical ligando você ao rio; há outro lhe ligando à floresta. Se continuar meditando assim, você verá que está ligado a tudo e a todos no cosmo. Sua vida depende de tudo o que existe - de outros seres vivos, mas também de plantas, minerais, ar, água e terra.

Imagine que você plantou um grão de milho e, sete dias depois, ele brota e começa a adquirir a forma de um pé de milho. Quando esse pé de milho crescer, talvez você não o reconheça como o grão que plantou. Mas não seria verdade dizer que o grão morreu. Através dos olhos do Buda você continuará vendo o grão dentro do pé de milho. O pé de milho é a continuação do grão em direção ao futuro, e o grão é a continuação do pé de milho em direção ao passado. Não é a mesma coisa, mas também não são completamente separados. Você e sua mãe não são exatamente a mesma pessoa, mas também não são duas pessoas diferentes. Esta é a verdade da interdependência. Ninguém pode existir por si só, sozinho. Para ser, é preciso interser.

Traduzido por Chan Lac An (A Verdadeira Paz da Felicidade) do livro A Rose for your Pocket - An appreciation of motherhood, Parallax Press.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cultivar os hábitos da felicidade

 
Com base no que aprendemos sobre o corpo e a mente, eu gostaria de lhes oferecer exercícios para cultivar a concentração, a consciência plena e o insight. Estes exercícios são: as três concentrações, as seis paramitas, a construção da Sanga, e a não-discriminação. Estes ensinamentos estão no coração da prática budista e do segredo da felicidade. Estes ensinamentos se apóiam e se sustentam. Se a sua concentração for suficientemente forte, você fará uma descoberta, obterá um insight. Você precisa estar presente, com o corpo e a mente unidos e totalmente presentes – isto é atenção plena. Se você estiver neste estado de consciência, será possível para você se concentrar. Se a sua concentração for poderosa, você tem uma chance de fazer uma importante descoberta que lhe ajuda a alcançar a felicidade.
 
Existem três tipos diferentes de concentração. A primeira é a vacuidade. Vacuidade aqui é uma concentração e não uma filosofia. A vacuidade não é uma tentativa de descrever a realidade. A vacuidade é oferecida como um instrumento. E nós temos que manusear a noção da vacuidade habilidosamente para não sermos aprisionado nesta noção. A noção da vacuidade e o insight de vacuidade não duas coisas diferentes. Vamos considerar uma vela. Para acender uma vela, você acende um fósforo, você precisa de fogo. E o fósforo é apenas um instrumento, um meio. Sem o fósforo você não consegue produzir o fogo. O seu objetivo último é a chama e não o fósforo. Buda lhe oferece a noção de vacuidade, porque ele tem que usar noções e palavras para se comunicar.
 
Habilidosamente, fazendo uso da noção de vacuidade, você pode produzir o insight de vacuidade. Uma vez que o fogo se manifeste, ele consumirá o fósforo; quando o insight da vacuidade se manifesta, ele destruirá a noção da vacuidade. Se você for suficientemente habilidoso para fazer uso da noção da vacuidade, você então tem o insight da vacuidade e está livre da palavra “vacuidade”. Eu espero que você consiga ver a diferença entre vacuidade enquanto insight e vacuidade enquanto noção.
 
Samadhi não é uma doutrina, não é uma tentativa de descrever a verdade, mas é um meio hábil de lhe ajudar a alcançar a verdade. É como o dedo apontando para a lua. A lua é muito bela. O dedo não é a lua. Se eu aponto e digo, “Querido amigo, esta é a lua” e você pega este dedo e diz: “Oh! Isto é a lua!” – você não tem a lua. Você está aprisionado no dedo, você não consegue ver a lua. O Darma de Buda é o dedo, não a lua.
 
O Sutra do Coração diz: “forma é vacuidade, vacuidade é forma” – o que isto significa? O bodisatva Avalokiteshvara disse que tudo é vazio. E queremos perguntá-lo: “Senhor Bodisatava, você diz que tudo é vazio, mas eu quero lhe perguntar, ‘vazio do que’?” Porque vazio é sempre vazio de algo. Esta é uma maneira habilidosa de destruir a palavra “vacuidade” para conseguir o insight da vacuidade. Imagine um copo. Concordamos que ele está vazio.
 
Mas é importante fazer a pergunta que parece inútil, mas que não é: “vazio de que?” Vazio de chá, talvez. Vazio significa vazio de algo. É como consciência, percepção, sentimento. Sentir significa sentir algo. Estar consciente significa estar consciente de algo. Estar atento significa estar atento a algo. O objeto existe ao mesmo tempo em que o sujeito. Não pode haver mente sem objeto da mente. Isto é muito simples, muito claro. Assim nós concordamos que este copo está vazio de chá. Mas não podemos dizer que este copo está vazio de ar. Ele está cheio de ar.
 
Quando observamos uma folha, vemos que ela está cheia, totalmente cheia. Eu olho para a folha, eu toco a folha e com o maravilhoso instrumento chamado mente, posso ver que enquanto eu toco a folha estou também tocando uma nuvem. A nuvem está presente na folha. Eu sei muito bem que se não houver nuvem, não há chuva e então nenhuma árvore de álamo pode crescer.
 
Por isso quando toco a folha, eu toco elementos que não são folha. Um destes elementos que não são folha é a nuvem. Eu toco a nuvem; eu toco a chuva tocando a folha. Ao tocar a folha eu sei que água, chuva e nuvem estão ali dentro da folha. Eu também toco os raios de sol dentro da folha. Eu sei que sem raios de sol nada consegue crescer. Eu estou tocando o sol sem me queimar. E sei que o sol está presente na folha. Se continuar minha meditação eu verei que estou tocando os minerais dentro do solo, estou tocando tempo, estou tocando o espaço, estou tocando a minha própria consciência. A folha está cheia do cosmos – espaço, tempo, consciência, água, solo, ar e tudo, então como podemos dizer que ela é vazia?
 
É verdade que a folha está cheia de tudo, exceto uma coisa, e esta uma coisa é uma existência separada, um “eu”. Uma folha não consegue existir por si só, a folha tem que interexistir com tudo o mais dentro do cosmos. Uma coisa tem que contar com todas as outras coisas para se manifestar. Uma coisa não consegue ser ela mesma sozinha. Então vacuidade é antes de mais nada vazio de um eu separado. Tudo contém tudo o mais. Olhando dentro da folha nós vemos somente os elementos que não são folha. Buda está constituído somente de elementos que não são Buda. E o meu eu está constituído somente de elementos que não são eu.
 
A segunda concentração é animita, a insubstancialidade dos sinais. Insubstancialidade dos sinais significa não ser capturado pela aparência. Parece que a nuvem que observamos no céu tem um início, e falamos do “nascimento” da nuvem. Parece que uma nuvem pode morrer a qualquer hora hoje à noite e não mais existirá no céu. Temos uma noção de nascimento e morte. Mas com a prática da contemplação profunda, podemos tocar a natureza sem nascimento e sem morte da nuvem.
 
Se vivermos a vida conscientemente, então seremos capazes de tocar a natureza da insubstancialidade dos sinais. Bebendo o seu chá, você reconhece que a sua amada nuvem está dentro do seu copo. A nuvem pode tomar a forma de um cubo de gelo. A nuvem pode tomar a forma da neve sobre os Pirineus. A nuvem pode estar dentro do sorvete que sua filha está tomando. Então com a sabedoria da insubstancialidade dos sinais, você descobre que nada nasce e nada pode morrer – e você não tem medo. A verdadeira felicidade, perfeita felicidade não pode ser possível sem destemor. Olhando profundamente e tocando a natureza sem nascimento e sem morte elimina o medo dentro de nós.
 
Existe o elemento de delusão dentro de nós e existe o elemento de luminosidade dentro de nós. Devido ao elemento de delusão, sofremos. Devido ao elemento de luminosidade, podemos nos tornar um Buda. É assim que a dualidade entre o cérebro e a mente pode ser resolvida. A realidade se expressa enquanto cérebro ou enquanto consciência. Não é verdade dizer que o cérebro nasce da mente, ou que a mente é uma propriedade emergente do cérebro – você não tem que fazer isto.
 
Você pode dizer que mente e cérebro se manifestam a partir do solo da consciência armazenadora, e eles se apóiam mutuamente em suas manifestações. Sem mente, cérebro não é possível; sem cérebro, mente não consegue se manifestar. Tudo conta com tudo o mais para se manifestar. Tal como a folha, como a flor – a flor tem que contar com elementos que não são flor para se manifestar. O mesmo acontece com a mente. O mesmo acontece com o cérebro.
 
A terceira concentração é apranihita, ausência de objetivo. Sem preocupação, sem ansiedade estamos livres para desfrutar cada momento de nossas vidas. Sem tentar, sem fazer grandes esforços, apenas sendo. Que alegria! Isto parece contradizer o nosso modo normal de operar. Estamos tentando tão duramente atingir a felicidade, lutar pela paz. Mas talvez nossos esforços, nossas lutas, nossos objetivos sejam o próprio obstáculo da nossa conquista da felicidade, para que fomentemos a paz. Todos nós tivemos a experiência de buscar uma resposta e então quando soltamos e relaxamos a resposta surge, sem esforço. Isto é ausência de objetivo.
 
Desfrutamos nossa respiração, bebemos chá, sorrimos conscientemente, caminhamos com a mente atenta e os insights surgem e a compreensão naturalmente chega. Ausência de objetivo é uma prática maravilhosa. É tão prazerosa, tão refrescante. Eu acredito que os cientistas necessitam desta prática tanto quanto os meditadores, para abrir as mentes cerradas deles, para abrir às possibilidades que estão além da imaginação deles. Muitas descobertas científicas aconteceram no solo da ausência de objetivos, porque quando você não está programado em seu destino tem mais chance de chegar a um novo e inesperado insight.

 Thich Nhat Hanh
(Do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking toward Enlightenment)
(Tradução para o português: Tâm Vân Lang)

domingo, 8 de agosto de 2010

Feliz dia dos Pais!

O bodhisattva Avalokitesvara é alguém que pratica extremamente bem. No Sutra do Coração ele nos ensina o modo de transformar e transcender o medo e navegar sorrindo sobre as ondas do nascimento e da morte. Ele diz que não existe produção, destruição, ser, não-ser, aumento e diminuição. Escutar isto nos ajuda a olhar profundamente a natureza da realidade para ver que nascimento e morte, ser e não-ser, vir e partir, aumento e diminuição são apenas idéias que atribuímos à realidade, ao passo que a realidade mesma transcende todos os conceitos. Quando nos damos conta do interser natural de todas as coisas - de que mesmo o nascimento e a morte são meros conceitos - transcendemos o medo

Os cinco treinamentos para a mente alerta.

Thich Nhat Hanh
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